Antônio Carlos Prado
Há 500 anos, a expedição de
Fernão de Magalhães, colocada à prova por tormentas, fome, sede e sublevações,
completava a primeira circunavegação da história e abria rotas comerciais que
são utilizadas até hoje.
Assim como vemos com
naturalidade, nos dias atuais, sondas e satélites serem lançados ao espaço, há
quinhentos anos os europeus acostumaram-se com expedições que desafiavam os
mares em busca de riquezas, especiarias e novas rotas comerciais. Uma delas foi
involuntariamente definitiva para a história do planeta, da mesma forma que se
pode dizer que definitivo para todos os tempos tornou-se o fato de o homem
pisar a Lua − aliás, os astronautas americanos protagonistas desse feito de meio
século tinham como ídolo um navegador de meio milênio. Trata-se do visionário e
destemido fidalgo português Fernão de Magalhães, que comandou no século 16 uma
frota de cinco barcos com duzentos e cinquenta homens numa fenomenal e
desesperadora empreitada sob o signo de infindáveis tempestades, muita fome e
violentas rebeliões de seus comandados. Magalhães queria tão somente abrir para
Portugal um novo caminho marítimo até as Ilhas Molucas, hoje Indonésia. Acabou
fazendo com que sua pequena esquadra se tornasse a responsável pela primeira
circunavegação, a descoberta de mares até então inimagináveis e a comprovação
de que a Terra é redonda.
Eis um parâmetro para se mensurar
as vidas que custaram essa jornada: quando a expedição retornou ao porto
espanhol de Sanlúcar, em 1522, após três anos no mar, a tripulação contava
apenas com dezoito sobreviventes − e o próprio Fernão de Magalhães já era um
corpo lançado às águas, assassinado que fora quando entrou em conflito com a
população local nas Filipinas. Mas vamos, então, ao início dessa aventura.
Portugal já controlava a rota marítima para o leste, que passava pelo Cabo da
Boa Esperança, no extremo sul da África.
Magalhães lançou então a si e ao
rei Manuel I o desafio de viajar pela rota oposta, ou seja, pelo oeste,
contornando a América do Sul. Acomodado com o que já possuía de domínios no
mar, Manuel I desprezou a ideia. Bastou isso para que Magalhães imediatamente
procurasse o rei da Espanha, Carlos I, que delirou diante da possibilidade de
dominar o continente asiático chegando às Ilhas Molucas. Era o ano de 1519 e,
assim, a expedição partiu, levando um escritor italiano que pagou para
embarcar, sobreviveu a todas as agruras e tornou-se o principal relator a
bordo. Seu nome: Antonio Pigaffeta.
Estreito de Magalhães
Passagem descoberta
por Fernão de Magalhães,
no século 16, que une
em seus seiscentos quilômetros de extensão
os oceanos Atlântico
e Pacífico.
De seu relato acerbo e realista,
às vezes realista até demais, consta que Magalhães não conseguiu encontrar
facilmente a passagem natural que imaginava existir, ligando o Oceano
Atlântico, já conhecido, a algum mar jamais navegado, para então chegar à Ásia
pelo trajeto inverso da rota já dominada pela corte portuguesa. Veio o inverno,
o comandante decidiu que todos ancorariam onde atualmente é o sul da Argentina.
A tripulação dormia congelada nos conveses das embarcações, os alimentos
minguavam, a fome e as doenças aumentavam.
Boa parte dos marujos, formada
sobretudo por espanhóis indóceis ao comandante português, decidiu se sublevar.
Derrotados, os líderes da rebelião acabaram esquartejados por Magalhães. Uma
nau afundou, outra, justamente a que ainda carregava relativa quantidade de
comida, desertou. Passado o inverno, no entanto, a sonhada passagem natural
revelou-se ao sul mesmo da Argentina. Foi batizada na hora, merecida mente, de
“Estreito de Magalhães”.
Vencidos seus seiscentos
quilômetros de extensão, estreou nos olhos de todos um mar sem fim. Magalhães
sonhou que agora tudo transcorreria em paz e o chamou de “Mare Pacificum” − o
imenso Oceano Pacífico, que na verdade não lhe trouxe paz alguma. Eis um trecho
do diário de Pigaffeta: “(…) comemos ratos, comemos poeira misturada a minhocas
(…) bebíamos água amarelada e podre (…) também comemos o couro que que cobria
parte das embarcações (…)”. Se Magalhães acertou na existência de um estreito
geográfico unindo naturalmente dois mares, errou na suposição de que as Molucas
pertenciam à Espanha pelo traçado imaginário definido com o Tratado de
Tordesilhas, separando o que era de Portugal e o que pertencia à Espanha. Ele
decide então ir às Filipinas, entra em guerra com nativos e é morto. Tudo isso
ocorria em um mundo totalmente desconhecido para qualquer europeu. Era o
absoluto nada amedrontador cercado de mar, mar, mar, mar…
Donos dos mares e do
mundo
Os reis Carlos I, da
Espanha, e Manuel I, de Portugal:
rotas opostas em
busca de riqueza, conquistas e raras especiarias.
Loucos à deriva
Surpreendentemente, o arremedo do
que fora uma expedição, agora liderada pelo espanhol Juan Sebastián Elcano,
conseguiu alcançar as cobiçadas Ilhas Molucas. Por elas, Fernão de Magalhães e
duzentos e trinta e dois homens morreram, alguns vítimas de canibalismo; por
elas, ensandeceu-se à deriva nas águas; por elas, gengivas viraram hemorragias
devido ao escorbuto; por elas, Fernão de Magalhães teve seu corpo lançado a
tubarões. Para quem queria apenas especiarias asiáticas, o porto seguro das
Ilhas Molucas deu muito mais.
Ao cruzar Atlântico e Pacífico na
ida e Mar Índico na volta, esse aquático exército de Brancaleone perfez a
primeira circunavegação, abriu rotas comerciais que são utilizadas até hoje e
dirimiu de vez a dúvida que atormentava filósofos desde a Grécia Antiga: sim, a
Terra é redonda. Finalmente, desfez a lenda de que monstros habitavam o Oceano
Pacífico. “Há um paralelismo entre essa viagem e a ida do homem à lua”, diz o
historiador português João Paulo de Oliveira e Costa. “Os astronautas falavam
de Fernão de Magalhães como um ídolo inspirador”.
João Paulo de Oliveira
e Costa, historiador português:
↓
“Há similaridade entre essa viagem e a ida do homem à lua.
Os astronautas falavam de Fernão de Magalhães como um ídolo inspirador”.
Fernão de Magalhães
(Do Blog da revista
IstoÉ)
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