terça-feira, 28 de junho de 2016

Anatole France e os jovens


Anatole France recebia de vez em quando poetas e romancistas principiantes, cheios de sonhos de glória. O mestre os recebia com benevolência, obedecendo àquela sua teoria: “nunca se dá tanto, como quando se dá esperança”.

− Mestre – perguntou, um dia, um ingênuo novato – leu meus versos que lhe mandei?

− De certo; li-os com enorme prazer.

− Será possível que eu tenha merecido tanto? – indaga o vate que não pôde crer em semelhante ventura.

− Quer uma prova? – continua France. Imperturbável. Vou até indicar a mais bela página do seu livro: a 84, não foi aquela poesia que você pôs o melhor de sua alma?

− Oh, mestre, não sei como agradecer tanta bondade – murmura o rapaz inebriado.

– Sim, foi realmente naquela página que eu encerrei o meu mais belo poema.

E parte com o coração em festa. Então, alguém que assistia à entrevista, observa ao autor de “Thaís”:

− Você não pode ter lido o tal livro; li-o eu e não vale nada!

− Confesso a minha mentira – concorda sorrindo Anatole France – nem abri o tal volume.

− E por que disse que a página 84 era a melhor?

− Ora, meu ingênuo amigo! Eu podia ter citado qualquer outra folha: um poeta acha sempre que qualquer um de seus versos é o melhor de todos...

− E se estivesse em branco a tal 84?

− Isto seria lamentável – diz gravemente o mestre. Mas quando se disfarça a verdade com benevolência é preciso contar com a piedosa cumplicidade do céu...

(Do Almanaque do Correio da manhã de 1941)


Jacques Anatole François Thibault, mais conhecido como Anatole France (16 de abril de 1844 em Paris - 12 de outubro de 1924 em Saint-Cyr-sur-Loire) foi um escritor francês. Seus livros apresentam um tom céptico. Publicou romances e contos que obtiveram grande sucesso, onde se revela possuidor de uma arte requintada e sutil. Seu primeiro grande êxito foi O Crime de Silvestre Bonnard, premiado pela Academia francesa. Outras obras são: Thais, O Lírio Vermelho, O poço de Santa Clara, A revolta dos anjos, etc. Tendo sido primeiramente bibliotecário do Senado, foi eleito para a Academia Francesa em 23 de janeiro de 1896, para a poltrona 38, onde ele sucede Ferdinand de Lesseps. Foi recebido na Academia Francesa em 24 de dezembro de 1896.

Anatole France apoiou a Émile Zola no caso Dreyfus; ao dia seguinte da publicação do "J'accuse", assinou a petição que pedia a revisão do processo. Devolveu sua Legião de Honra quando foi retirada a de Zola. Participou na fundação da Liga dos Direitos do Homem. Foi laureado em 1921 com o Prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra.



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