Anatole
France recebia de vez em quando poetas e romancistas principiantes, cheios de
sonhos de glória. O mestre os recebia com benevolência, obedecendo àquela sua
teoria: “nunca se dá tanto, como quando se dá esperança”.
− Mestre
– perguntou, um dia, um ingênuo novato – leu meus versos que lhe mandei?
− De
certo; li-os com enorme prazer.
− Será
possível que eu tenha merecido tanto? – indaga o vate que não pôde crer em
semelhante ventura.
− Quer
uma prova? – continua France. Imperturbável. Vou até indicar a mais bela página
do seu livro: a 84, não foi aquela poesia que você pôs o melhor de sua alma?
− Oh,
mestre, não sei como agradecer tanta bondade – murmura o rapaz inebriado.
–
Sim, foi realmente naquela página que eu encerrei o meu mais belo poema.
E
parte com o coração em
festa. Então , alguém que assistia à entrevista, observa ao
autor de “Thaís”:
− Você
não pode ter lido o tal livro; li-o eu e não vale nada!
− Confesso
a minha mentira – concorda sorrindo Anatole France – nem abri o tal volume.
− E
por que disse que a página 84 era a melhor?
− Ora,
meu ingênuo amigo! Eu podia ter citado qualquer outra folha: um poeta acha
sempre que qualquer um de seus versos é o melhor de todos...
− E
se estivesse em branco a tal 84?
− Isto
seria lamentável – diz gravemente o mestre. Mas quando se disfarça a verdade
com benevolência é preciso contar com a piedosa cumplicidade do céu...
(Do Almanaque do Correio da manhã de 1941)
Jacques
Anatole François Thibault, mais conhecido como Anatole France (16 de abril de 1844
em Paris - 12 de outubro de 1924 em Saint-Cyr-sur-Loire) foi um escritor francês.
Seus livros apresentam um tom céptico. Publicou romances e contos que obtiveram
grande sucesso, onde se revela possuidor de uma arte requintada e sutil. Seu
primeiro grande êxito foi O Crime de Silvestre Bonnard, premiado pela Academia
francesa. Outras obras são: Thais, O Lírio Vermelho, O poço de Santa Clara, A
revolta dos anjos, etc. Tendo sido primeiramente bibliotecário do Senado, foi
eleito para a Academia Francesa em 23 de janeiro de 1896, para a poltrona 38,
onde ele sucede Ferdinand de Lesseps. Foi recebido na Academia Francesa em 24
de dezembro de 1896.
Anatole
France apoiou a Émile Zola no caso Dreyfus; ao dia seguinte da publicação do
"J'accuse", assinou a petição que pedia a revisão do processo.
Devolveu sua Legião de Honra quando foi retirada a de Zola. Participou na
fundação da Liga dos Direitos do Homem. Foi laureado em 1921 com o Prêmio Nobel
de Literatura pelo conjunto de sua obra.
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