sexta-feira, 10 de junho de 2016

Pensamento político de Millôr Fernandes


É hoje só

Se você votar num homem de reconhecido saber público e perder,
ainda assim estará aprimorando as instituições políticas.

Se você votar num canalha e vencer,
estará deteriorando as instituições políticas para sempre.

(O voto é a arma do cidadão, a arma é o voto do poder.)

Pequenas lições de história natural


O corrupto é um animal extremamente parecido com um não-corrupto, espécie extinta justamente porque é muito mais fácil de pegar.

O corrupto serve principalmente como assunto de conversa. Quando se está num papo e alguém fala em corrupto, é inútil tentar mudar de assunto. Pode-se, no máximo, mudar de corrupto.
                 
Uma característica estranha do corrupto se observa em restaurantes. O corrupto está sempre em outras mesas.          
                                                                                                    
O corrupto tem sempre um belo aspecto, é extremamente simpático e totalmente realizado. Ele jamais quereria ser um não-corrupto. Já o não-corrupto está sempre lamentando não ter nascido corrupto.                           
Os corruptos habitam inúmeras partes do mundo, quase todas no Brasil.

Detalhe importante de mutação da espécie: o corrupto moderno tem horror a colarinho-branco.
    
Ser político

(Para os que se iniciam. Ou mesmo pros que estão acabando.)

Ser político é engolir sapo e não ter indigestão, respirar o ar do executivo e não sentir a execução, é acreditar no diálogo em que o poder fala e ele escuta, é ser ao mesmo tempo um ímã e um calidoscópio de boatos, é aprender a sofrer humilhações todos os dias, em pequenas doses, até ficar completamente imune à ofensa global, é esvaziar a tragédia atual com uma demagogia repetida de tragédia antiga, é ver o que não existe e olhar, sem ver, a miséria existente, é não ter religião e por isso mesmo cortejar a todas, é, no meio da mais degradante desonra, encontrar sempre uma saída honrosa, é nunca pisar nos amigos sem pedir desculpas, é correr logo pra bilheteria quando alguém grita que o circo pega fogo, é rir do sem-graça encontrando no antiespírito o supremo deleite desde que seu portador seja bem alto, é flexionar a espinha, a vocação e a alma em longas prostrações ante o poder como preparação do dia de exercê-lo, é recompor com estoicismo indignidades passadas projetando pra história uma biografia no mínimo improvável, é almoçar quatro vezes e jantar uma seis pra resolver definitivamente o problema da nossa subnutrição endêmica, é tentar nobremente a redistribuição dos bens sociais, começando, é natural, por acumulá-lo, pois não se pode distribuir o pão disperso, e é ser probo seguindo autocritério.

E assim, por conhecer profundamente a causa pública e a natureza humana, estar sempre pronto a usufruir diariamente o gozo de pequenas provações e a sofrer na própria pele insuportáveis vantagens.
  

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