Painel fotográfico
que reproduz, à direita,
um grupo de boêmios
intelectuais,
tendo ao fundo o
famoso painel de Di Cavalcanti.*
Havia uma outra turma de boêmios
intelectuais, a do Bar Villariño, na Presidente Wilson – dois quarteirões atrás
do rendez-vous dos senadores e em
frente à embaixada americana. Personalidades como Antônio Maria, Fernando Lobo,
Lúcio Rangel, Sérgio Porto, Vinicius de Moraes, Paulo Mendes Campos, Aracy de
Almeida e outros bebericavam ali seus uísques. Foi em 1958, na verdade, que
eles brigaram com o novo dono do bar e começaram a debandar de lá. O
comerciante simplesmente pintou as paredes e com isso destruiu um mural feito
por Di Cavalcanti, um dos mais fiéis fregueses da casa. Só a mesa do grupo –
que pelo brilho da conversa lembrava a capitaneada por Dorothy Parker no bar do
Hotel Algonquin, em Nova
York – e o mural valiam mais do que o Villariño todo. Mas o
cidadão, por coincidência luso, não gostou dos desenhos – mulatas e mais
mulatas de Di em carvão, seguidas de autógrafos e rabiscos de gente como Tom
Jobim, Dolores Duran, Fernando Sabino e até Pablo Neruda. E meteu brocha na
“sujeira”.
O desenhista Lan lembra-se desse dia:
– Eu estava chegando ao bar e
encontrei na porta o Lúcio Rangel – diz. – Ele estava espumando de raiva com o
fim do nosso painel. Naquele dia mesmo trocamos o Vilariño pelo Esplanada, ali
perto. Nunca mais voltamos.
*O painel está colocado, hoje, no mesmo
lugar em foi pintado por ordem equivocada do dono do bar nos anos 50.
(Do livro “Feliz 1958
– o ano que não devia terminar”,
de Joaquim Ferreira dos Santos.)
A foto mais famosa do Villariño
Ao fundo, à esquerda,
de terno escuro, Lúcio Rangel,
Vinicius de Moraes e seu filho Pedro,
Vinicius de Moraes e seu filho Pedro,
em pé, Paulo Mendes
Campos e, na sua frente sentado, Fernando Lobo.
Testemunha do tempo áureo do
Villarino, Haroldo Costa conta que existia uma espécie de “código de conduta”
no bar. Havia uma mesa principal – onde hoje há uma grande foto ao fundo, com
as imagens de, entre outros, Lúcio Rangel, Vinicius e seu primogênito, Pedro
Moraes, ainda menino – onde ficavam os “figurões” do bar, gente da música, do
jornalismo e das rádios Nacional e Mayrink Veiga. “A grande mesa era ocupada pelas
estrelas. Muita gente ia lá só pra ver os famosos. Minha cadeira ficava mais
afastada, mas depois foi chegando mais pra frente... e logo comecei a colaborar
pra Revista da Música Popular, de Lúcio Rangel. Era um privilégio poder sentar
àquela mesa”, conta Haroldo. Quanto à rotina do bar, a boemia começava cedo,
ainda no fim da tarde, por volta das 17h. “Iam chegando depois do expediente e
ficavam bebendo uísque até umas 8h da noite. Muita gente ia pra Zona Sul e
continuava em outros lugares.”
Mas quem vai ao Villarino não procura
bafafá. A grande atração do bar é exatamente esse ar dos anos 50 e 60. “Está
tudo aqui, desde 1953: as mesmas mesas com tampo de mármore, as mesmas cadeiras
estofadas em couro, o mesmo piso”, diz Stela, que se considera a “chefe do fã
clube” do bar. Para provar, ela mostra as pastas com recortes de jornais com
notícias sobre a casa, em ordem cronológica. Enquanto folheia as páginas, vai
apontando: “Olha aqui o Neruda, o Sergio Porto, o Ary Barroso”, todos
fotografados “à mesa do Villarino”, expressão que virou título do livro do
jornalista e compositor Fernando Lobo em 1991. Nele, Lobo conta causos da casa
e seus frequentadores e arrisca algumas definições para aqueles encontros ao
redor da mesa. Sobre a clientela: “Éramos todos ou quase todos jornalistas de
um tempo em que havia muitos jornais no Rio de Janeiro”. Sobre o bar: “As
conversas aconteciam num tom de fazer passar o tempo. O Villariño era um barco
à deriva. Não havia vento, pura calmaria, e os fatos se repetiam”.
Apesar dessa exaltação de Lobo ao
bar, ele não quis lançar seu livro na casa. Sérgio Cabral (o pai) em sua
biografia de Tom Jobim, explica a contradição. O autor ficara, na verdade,
“indignado com a atitude de um de seus proprietários que, na década de 1960,
mandou pintar as paredes do Villariño a fim de apagar as sujeiras deixadas
pelos clientes através dos tempos”. “As ‘sujeiras’ eram desenhos de Antônio
Bandeira, Di Cavalcanti e Pancetti, os primeiros compassos musicais de Aquarela
do Brasil escritos pelo próprio Ari Barroso, poemas de Pablo Neruda e Vinicius
de Moraes, também escritos pelos autores, e dezenas de assinaturas dos
frequentadores. O velho Antônio (...) contratou um especialista para tentar
encontrar debaixo da pintura as lembranças deixadas pelos frequentadores. Em
vão: a tinta verde destruíra tudo”, relata Cabral.
(Revista da História)
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