domingo, 5 de junho de 2016

Ave, César!


Nova biografia revela que o estadista romano se depilava,
gostava de lançar moda e passou a vida sendo chamado de gay

Ivan Claudio


Colosso

César admirava o macedônio Alexandre, o Grande,
 e teve uma convulsão diante de sua estátua.

Até tu, César? Essa pergunta atravessa por inteiro “César – a Vida de um Soberano” (Record), alentada biografia do mais admirado ou odiado estadista romano, assinada pelo historiador inglês Adrian Goldsworthy. O homem que inspirou Napoleão Bonaparte e cujo nome passou a ser sinônimo de poder – deu origem às palavras kaiser e czar – gostava de se depilar. Ele também tinha mania de lançar moda. “Em vez da túnica de mangas curtas, que era branca com listras púrpuras, usava sua própria versão não convencional, com mangas longas que chegavam abaixo dos punhos e terminavam em uma franja”, escreve o autor, que se ampara em textos de Cícero, Suetônio e Plutarco, entre outros, para traçar o seu perfil do general cujos domínios não tiveram par na face da Terra.

Goldsworthy é especialista em guerras, mas tem suficiente veneno para mirar o flanco dos detalhes pitorescos. Gaius Julius Caesar (cerca de 100 a.C. – 44 a.C.) era ambicioso, sagaz, estrategista, mas também de uma vaidade desmesurada. Esse traço já aparece na juventude, quando alardeava que sua linhagem vinha de Rômulo e Remo e ia até a deusa Vênus. Como para os romanos um bom comandante deveria impor a autoridade, desde o manuseio das armas e montaria, ele não se intimidava: mirava o horizonte cavalgando com os braços cruzados para trás e guiava o trote do cavalo apenas com os joelhos. Da vaidade imberbe ao temperamento explosivo da maturidade, bastava uma taça de vinho, vício que passou a cultivar para embriagar à noite os oficiais e assim não cair em emboscada.

Uma cena rápida: antes mesmo de se tornar cônsul (aos 41 anos), César agarra pela barbicha o filho de um rei que ousou tentar a independência de Roma. Apesar de elegante e sofisticado (lia os clássicos, aprendeu oratória e escrevia esplendidamente), ele sempre perdia os modos nos momentos de fúria que podiam terminar em ataques epilépticos. E isso desde moço. Na volta de uma de suas viagens de formação, aos 25 anos, César foi feito prisioneiro por piratas.

Os bucaneiros pediram 20 talentos de prata de resgate e receberam a resposta petulante: “peçam mais, valho 50”. Enquanto esperava a chegada do dinheiro, César declamava poesias e discursos, ouvidos com desdém pelos piratas, “bárbaros analfabetos”, segundo ele. Ao ser liberto, jurou crucificá-los.

E o fez, sem autoridade legal. Por ter a virtude da piedade, primeiro cortou-lhes a garganta. Sofreriam menos. Daí para o “Veni, Vidi, Vici” (Vim, Vi, Venci), famosa frase dita após a vitória mais fácil de sua carreira, a de Zala, foi uma sucessão de conquistas que preenchem as 700 páginas do livro.

Apesar disso, César era motivo de chacotas de seus soldados. Durante toda a sua vida pesou sobre ele a fama de ter sido “fêmea” do rei Nicomedes, episódio acontecido aos 19 anos que lhe valeu a alcunha de “Rainha de Bitínia”. Golsdworthy aventa a hipótese de que ele tenha se tornado um grande sedutor de nobres mulheres casadas para apagar esse episódio da juventude. Sua fama ficou sendo a de “marido de todas as mulheres e mulher de todos os maridos”. Sobreviveu a Cleópatra, mas outra de suas conquistas lhe deixaria um rebento incômodo: Servília, mãe de Brutus, magistrado que deu a última das 23 punhaladas no complô que o matou. Segundo o autor, César não teria dito “até tu, Brutus” (criação de William Shakespeare), mas “até tu, filho”.

Ele se julgava pai do militar.

 Revista Isto É – 15 de junho de 2011



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