terça-feira, 14 de junho de 2016

Os últimos momentos de Castro Alves



Autorretrato de Castro Alves

(Do arquivo da Academia Brasileira de Letras)

(14.03.1847 – 06.07.1871)

(Castro Alves viveu 24 anos, 4 meses e 8 dias)

Castro Alves piorava dia a dia, hora a hora. A 29 de junho pediu que lhe transportassem a cama para junto da janela, de onde podia avistar a rua, os telhados do Convento de Santa Teresa, uma nesga de mar e o seu infinito céu azul. E contou Dª. Adelaide o pedido que lhe fez: “Que a não ser os irmãos e dois amigos (creio que o cunhado Chico e o futuro cunhado Augusto), ninguém mais lhe entrasse no quarto”. E continua o depoimento Dª. Adeleiade: “Agnese quis vê-lo. Pediu-me que implorasse junto a Cecéu (apelido familiar de Castro Alves) a permissão... Não era justo... Que a deixassem ficar perto dele, amparando-o nos últimos dias... Tanto ela chorou que me resolvi a fazer o pedido... Quando o formulei a Cecéu, iluminaram-lhe os olhos de lágrimas. E tomando-me as mãos, implorou: “Não! Não a deixe entrar... Ela mais do que ninguém, não deve guardar de mim uma lembrança de ruína. Que me recorde como sempre me viu, como me conheceu... Não! Não a deixe entrar...”

Continua o depoimento que foi prestado pela irmã dileta do poeta: “Dias de sofrimentos atrozes seguiram-se intercalados apenas por ligeiros momentos de alívio, e tão cruéis foram eles que na véspera de morrer, à noite, perguntando as horas e se lhe respondendo – É meia-noite – suspirou, dizendo: “Será possível, meu Deus, ainda um dia de dor?!”

Estava o poeta a esperar a morte. O médico avisou a família que já não havia mais nenhuma esperança e que ele não sobreviveria àquela semana. Quinta-feira, 5 de julho, corre pela cidade o boato de sua morte. Sinhá enxuga-lhe, com um lenço de cambraia, o suor gelado de sua testa. E ele, certamente lembrando-se do episódio da Verônica enxugando o rosto de Cristo, disse-lhe numa voz sumida: “Guarda esse lenço... com ele enxugaste o suor de minha agonia...”

O Padre Fiúza, seu antigo professor de latim dos tempos do ginásio do Dr. Abílio, aparece no solar do Sodré para levar-lhe a unção dos enfermos. Os olhos do poeta, fixos e sem brilho, pareciam contemplar o céu azul, e sorriam. Também um sorriso lhe aflorava aos lábios, mas ninguém notava, ninguém notava a magia que lhe estava a acontecer: o céu se enchia dos sanhaços de sua infância, dos canarinhos-da-terra, dos galos-de-campina e dos pombos brancos a voar. Asas, asas a levantar o vôo, a voar, a voar...

Imóvel, os cabelos negros, brilhantes, o rosto tomando a serenidade do absoluto. O final. A seu redor, Guilherme, aterrado pela dor, as três irmãs, a madrasta, Chico e Augusto, o Dr. Meireles, o amigos mais íntimos. Adelaide, sua doce Sinhá, com uma tesoura cortou uma mecha de seus cabelos. A tarde estava clara, o céu sem nuvens cheio de gaivotas. Os relógios pararam – 3h30 da tarde do dia 6 julho de 1871, junto a uma janela banhada de sol, para onde fora levado de acordo com o seu último pedido – Castro Alves estava morto.


Castro Alves, jovem.

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