O queniano Abel Mutai, medalha de
ouro nos 3 mil metros com obstáculos em Londres, estava a pouca distância da
linha de chegada e, confuso com a sinalização, parou para posar para fotos
pensando que havia cumprido a prova. Logo atrás vinha o corredor espanhol Ivan
Fernandez Anaya.
Anaya gritou para Mutai avisando que
ele não tinha cruzado a linha de chegada, mas o queniano não entendia espanhol.
Anaya, então, empurrou Mutai para a vitória. Na entrevista coletiva, um jornalista
perguntou para Anaya: “Por que o senhor fez isso?” “Isso o quê?” – respondeu
Anaya. “O senhor deixou o queniano ganhar” – insistiu o repórter. “Eu não o
deixei ganhar” – reiterou Anaya. De novo, o jornalista: “Mas o senhor podia ter
vencido. Está na regra, e o queniano não notou...” E Anaya mostrou como foi
educado, sem lições de espertezas domésticas (como no Brasil): “Se eu ganhasse
desse jeito, o que iria falar para a minha mãe?”
Mais tarde, o treinador de Anaya
cobrou-lhe o gesto: “Eu não treinei você para deixar o outro ganhar. Você tinha
a obrigação da vitória”. E Anaya encerrou a conversa com uma lição de ética:
“Eu acordei orgulhoso, sem ter vergonha da minha derrota. Eu não perdi, apenas
não ganhei”.
Quem quiser saber mais sobre exemplos
éticos como o do corredor Anaya, vale a pena ler “Ética e Vergonha na Cara”,
dos professores Clóvis de Barros Filho e Mário Sérgio Cortella. Foi escrito em
2014, mas está atualizadíssimo.
(Da coluna de Rogério
Mendelski do Correio do Povo)
Jogar lixo no chão, colar na
prova, oferecer dinheiro em troca de algum benefício - todos esses são
comportamentos que podem ser facilmente percebidos em nosso dia a dia, quase
como se fossem situações corriqueiras e típicas da cultura brasileira. Mas de que
maneira isso se reflete na formação de crianças e jovens? A corrupção estaria
mais próxima de nossa vida cotidiana do que gostaríamos de supor? Como Mario
Sergio Cortella e Clóvis de Barros Filho discutem nesse livro, seja em casa,
seja na escola ou no trabalho, muitas vezes os meios utilizados para alcançar
um objetivo acabam sendo tratados como uma questão menor diante dos resultados
obtidos. Os autores lançam uma importante reflexão sobre o modo como orientamos
nossas escolhas, mostrando de que forma a vergonha encontra seu lugar na ética,
a fim de que possamos pensar e agir para além do comodismo e dos prazeres
individuais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário