Um
caso curioso ocorrido durante a temporada em que Machado e Carolina
encontravam-se em Nova
Friburgo (dezembro de 1878 a março de 1879) foi o desaparecimento da
cachorrinha do casal. Chamava-se Graziela, nome retirado de uma heroína
romântica de Lamartine e era uma tenerife branca, de pelos felpudos e
encaracolados. Como eles não tinham filhos, eram muito apegados a essa
cadelinha, que teve seu lugar até mesmo no Memorial de Aires. Graziela dormia
numa cesta de vime, que ficava ao lado da cadeira de braços “Romeu e Julieta”.
Um dia, ela aproveitou um descuido de Clara, a empregada que ficara responsável
por alimentá-la durante aquele período, descobriu o portão da casa aberto e
fugiu para a rua. Tragédia! Ao serem informados daquela infelicidade por telegrama,
Machado e Carolina ficaram transtornados. Imediatamente, Joaquim Maria mandou
publicar na Gazeta de Notícias e no Jornal do Comércio um anúncio, prometendo
dar uma recompensa de cem mil réis para quem trouxesse de volta a cachorrinha.
Graziela foi encontrada no início de março para alívio do casal; ela ainda
viveu na companhia deles por um bom tempo, tendo falecido em idade avançada, já
quase cega e sem dentes. Certa feita, Joaquim Maria e Carolina deixaram de
visitar a residência do casal Rodolfo Smith de Vasconcelos e sua esposa, a
Baronesa Eugênia, aonde iam quase todas as noites para jogar e conversar.
Indagada a respeito do motivo daquelas ausências, Carolina respondeu com olhos
molhados: “A Graziela morreu...”. O próprio Machado de Assis enterrou a
cadelinha com seu cesto e tudo no jardim da frente. Algum tempo depois,
arrumaram outro cachorro, um pretinho de nome Zero, mas que não teve vida
longa.
Machado
adorava cães, sobretudo a Graziela, companheira de vários anos. Tanta afeição
resultou num soneto, que o escritor escreveu em memória de sua querida
cachorrinha. Intitulado “Um Óbito”, este poema jamais foi reunido em livro e é
pouco conhecido, tendo sido publicado pela casa Lombaerts no seu famoso
Almanaque das Fluminenses, para o ano de 1892:
“UM ÓBITO”
Este
silêncio inda me fala dela,
Como que escuto ainda os seus latidos,
Vagos, remotos, sons amortecidos,
Da vida que nos fez a vida bela.
Como que escuto ainda os seus latidos,
Vagos, remotos, sons amortecidos,
Da vida que nos fez a vida bela.
Boa, coitada, boa Graziela,
Companheira fiel dos anos idos,
Querida nossa e nós os seus queridos,
Conosco dividiu a alma singela.
Tivemos de outras afeições que a asa
Do tempo, ingratidão, fastio, intriga,
Qualquer cousa desfaz, corrompe, arrasa.
Tudo se liga e tudo se desliga,
Mas porque não ficou em nossa casa,
Esta que foi nossa constante amiga?
(Do blog Memorial do
Bruxo – Conhecendo Machado de Assis)
O anúncio: 100 mil
réis de gratificação.
Os
anúncios deram resultado, pois Graziella apareceu, dias depois, na rua Bento
Lisboa, no Catete, para alegria do escritor, e entregue no endereço indicado,
reunindo-se ao casal logo depois de sua volta ao Rio de Janeiro. Graziella, por
sua vez, deve ter abanado o rabinho, feliz por rever o Bruxo do Cosme Velho,
que não amava só as borboletas.
Curiosa,
Graziella não quis mais saber de surpreender o escritor durante o longo tempo
em que viveram juntos.
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