domingo, 5 de abril de 2020

Tolices memoráveis



A vida tem surpresas alucinantes. Surpresas e lições de estarrecer.

Há certos fatos, porém, que não nos causam nenhuma admiração, não porque não sejam em si admiráveis, mas porque nos deixam simplesmente tão bestificados que nos tiram até a capacidade de raciocinar.

É verdade que a faculdade de abrir mais ou menos a boca, movida pelo espanto, varia de indivíduo para indivíduo. Uns esbugalham os olhos diante do fenômeno mais natural, ao passo que os outros acham mais que natural o fenômeno mais esbugalhante.

Os que se julgam espertos acham que a admiração é um alarmante sintoma de ignorância e, por isso, afirmam que só os tolos se admiram. Os que se maravilham de qualquer coisa, por sua vez, se surpreendem também da impassibilidade dos sabidos, aos quais consideram lamentáveis cegos e inconscientes.

O ladino se admira do tolo e não pode compreender como este se possa admirar de uma bobagem. O tolo, por seu turno, se admira de que o ladino não se admire de coisa alguma, quando ele acha tudo admirável.

O tolo se admira de tudo, porque vê em tudo uma verdade para admirar. O tolo, então, raciocina e tira uma conclusão. E, portanto, não é tolo.

O inteligente vê o fenômeno e não se admira, porque não vê nada de admirável no que vê. Mas o homem que não chega a ver o que até os tolos veem não pode ser um homem inteligente.

De tudo isto só se pode concluir que o tolo, afinal, é um inteligente e que o inteligente é um tolo.

É ou não admirável?

(Do livro “Máximas e Mínimas do Barão de Itararé”)


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