terça-feira, 7 de abril de 2020

Melindrosa e Almofadinha



O tempo passa e as pessoas seguem sendo as mesmas. Olhem os versinhos publicados na revista Careta em maio de 1922.

Melindrosa e almofadinha
São inteiramente iguais.
Têm os dois a mesma linha:
Ele é magro, ela é magrinha,
Ela é moça, ele é rapaz.

Ele pinta os lábios, Ela
Pinta o sete e mais até.
Ele cuida da farpela,
Ela cuida em ser mais bela
Até na ponta do pé.

Ela, às vezes, fica triste,
Mas ele é sempre jovial.
Ela a um beijo não resiste,
Perde a graça, perde o “chiste”,
Perde a nota original.

Ele não. Pouco se importa
Com o calor das emoções,
É sempre o amor que o conforta
E o transporta
Ao mundo das ilusões.

Tem tudo quanto deseja.
Tudo e alguma coisa mais.
Feliz, a sorte o bafeja
E há alguém que o proteja
Com desvelos paternais.

No salão é o rei da moda.
Perto dele, no salão,
Gira a sociedade toda...
Ciranda a dourada roda
De damas que vêm e vão.

Mas não lhe fale, que é feio,
Em casamento, porque
Ele abre o olhar, arfa o seio,
Fica em fúria, perde o freio
E avança contra você.

E quando avança é ajuntando
Vinte ou trinta num zum-zum...
Para esmagar todo o bando,
A gente briga espalhando
Beijos para cada um...

Pelo “zinho” e pela “zinha”
Sinto coisas infernais:
Ele é magro, ela é magrinha
Melindrosa e Almofadinha
São duas coisa iguais...

(Do Almanaque Gaúcho de Zero Hora, abril de 2020)


*Melindrosa: mulher que satisfaz pelo excesso de bons modos, de delicadeza e sensibilidade na maneira como se comporta ou age com os demais. Alguém que fica ofendido ou surpreso facilmente: um gênio melindroso. Diz-se da mulher cujo comportamento ou modo pode ser considerado afetado. Mocinha elegante.


*Almofadinha: Corria o ano de 1919, meses após o final da Grande Guerra. Um concurso esquisito mobilizou a cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro: “rapazes elegantes e efeminados” se reuniram para definir quem era o melhor na arte de bordar e pintar almofadas trazidas da Europa especialmente para a ocasião. Foi assim que o escritor Raimundo Magalhães Jr., um tremendo conhecedor das coisas daquele tempo, biógrafo de João do Rio e pai da carnavalesca Rosa Magalhães, se referiu aos participantes do concurso. Magalhães Jr. explica que esse curioso certame deu origem à expressão almofadinha, para designar os tipos afetados, cheios de salamaleques e não-me-toques, nos tempos da República Velha.

(...)

Outra versão diz que o termo deriva dos bancos de madeira dos bondes cariocas, que causavam transtornos aos bumbuns mais sensíveis e obrigavam alguns passageiros a levar almofadas para se sentar com o mínimo de conforto. Os machões achavam que só os frescos precisavam das almofadinhas. Gosto das duas versões, a do concurso e a do bonde. Desconfio, todavia, que a primeira é mais verossímil.

(Do blog Ouro de Tolo)

Nenhum comentário:

Postar um comentário