quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Duas histórias

Luís Pimentel


As roupas do papai foram embora

— O papai foi embora desta casa. Não vai mais morar com a gente.
— Não é verdade, sua boba. O papai foi viajar. Depois ele volta. 
— Não, irmãozinho. Eu sei o que estou falando. Ele não foi viajar coisa nenhuma.
— Foi. E depois volta.
— Teimoso. O papai foi embora, brigou com a mamãe.
— Você não conhece o meu pai.
— Não esqueça que sou mais velha do que você. Conheço melhor o papai.
— Não conhece.
— A mamãe me contou tudo. Eles agora vão viver separados. Cada um no seu canto.
— A mamãe não conhece o meu pai. Ele volta logo.
— Volta só para se despedir da gente. Depois vai de vez.
— Ele fica comigo.
— Você é muito teimoso mesmo. Ele já levou até as roupas.
— Você é boba mesmo. Queria que o papai saísse pelado?
— Levou todas as roupas. Pode ver lá no armário.
— Todas as roupas dele?
— Todas. Para outra casa. E vão ficar lá, noutro guarda-roupa.
— Então vamos combinar uma coisa.
— O quê?
— Só as roupas foram embora. O meu pai não.

*****

Lua


Eu disse coisas como é para o seu bem, você vai ficar boa, meu amor. Eu tinha faíscas nos olhos. Eu tinha fiapo nos dentes quando disse eles vão tratar muito bem de você, acompanhe os rapazes, não seja malcriada que não lhe farão nenhuma ruindade.

Eu repeti acredite em mim, meu filho, sua mãe precisava se tratar, ela estava mal, muito mal, você era pequeno, não entendia o que se passava. Ele perguntou está vendo aquela lua no céu, meu pai?, e gritou você vai me pagar muito caro.

Eu sei que fiz o que pude, o melhor que pude, por ela e por ele, por todos eles, mas a ingratidão é moeda fácil na face da terra, por isto não carrego culpas comigo e viveria duzentos anos não fosse essa luz intensa que jamais se apaga, eterna noite é a minha vida, essa abelha zunindo nos ouvidos, esse choro de mulher que não estanca, rasgando a terra e o próprio ventre.

Ele disse calma, pai, com uma doçura infinita na voz que reconheço como sendo de meu filho, não grite, não reaja, acompanhe os rapazes que eles são do bem. Repetindo, com muito carinho, eles não farão nenhuma ruindade, meu pai, você vai por bem ou por mal.

Meu filho tinha faíscas nos olhos, tinha fiapos nos dentes quando disse olhe a lua, meu pai, veja como ela está linda, e me diga se alguém precisa de testemunha mais sincera.

*****

Essas duas crônicas-­contos fazem parte do livro
 ‘Contos da Vida Absurda’ (Editora Casarão do Verbo)


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