sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Histórias dos Povos

O ceifeiro ladrão e a sua filha

(um pequeno conto)

Há muitos, muitos anos, um homem foi ao campo roubar trigo e levou a filha com ele para que ela o ajudasse na tarefa. “Filha”, disse ele, “fica aqui na estrada de guarda para que ninguém me veja.” Mas assim que o homem começou a ceifar a filha gritou-lhe: “Pai, estão a ver-te.” O homem levantou a cabeça e olhou para a esquerda, mas como não viu ninguém continuou a ceifar. “Pai, estão a ver-te”, gritou a criança uma segunda vez. O homem levantou a cabeça e olhou para a direita, como nada viu continuou a ceifar. Passados mais uns minutos a menina gritou uma terceira vez: “Pai, estão a ver-te”. O homem olhou para a frente, mas não viu ninguém e continuou a ceifar. “Pai, estão a ver-te”, gritou a filha pela quarta vez. O homem olhou para trás e como não viu ninguém ficou irritado com a criança: “Então. filha?! Dizes que me veem, mas eu já olhei em todas as direções e não vejo ninguém.”

A filha encolheu os ombros: “Mas pai, estão a ver-te dali”, disse ela apontando para o céu.

Conto tradicional dos judeus da Tunísia, publicado pela primeira vez nos finais do século XIX pelo rabino Abba Shaul Haddad. Este conto é muito semelhante a uma outra história tradicional contada pelos judeus da Índia.

A Verdade e a Parábola

Um dia, a Verdade decidiu visitar os homens, sem roupas e sem adornos, tão nua como seu próprio nome. E todos que a viam lhe viravam as costas de vergonha ou de medo, e ninguém lhe dava as boas-vindas. Assim, a Verdade percorria os confins da Terra, criticada, rejeitada e desprezada.

Uma tarde, muito desconsolada e triste, encontrou a Parábola, que passeava alegremente, trajando um belo vestido e muito elegante.

‒ Verdade, por que você está tão abatida? ‒ perguntou a Parábola.

‒ Porque devo ser muito feia e antipática, já que os homens me evitam tanto! - respondeu a amargurada Verdade.

‒ Que disparate! ‒ Sorriu a Parábola. ‒ Não é por isso que os homens evitam você. Tome. Vista algumas das minhas roupas e veja o que acontece.

Então, a Verdade pôs algumas das lindas vestes da Parábola, e, de repente, por toda parte onde passava era bem-vinda e festejada.

Os seres humanos não gostam de encarar a Verdade sem adornos. Eles preferem-na disfarçada.

Um Passo por Vez

Rabi Yisrael Zalman de Charchov, um discípulo de Rabi Avraham de Slonim, certa vez reclamou com Rabi Avraham:

‒ Rebe, trabalhei tanto durante toda minha vida para fazer teshuvá (arrependimento) e mesmo assim não consigo notar a menor alteração em meu caráter. Que posso fazer?

Rabi Avraham replicou:

‒ Imagine um homem que está preso no barro até os tornozelos. A cada passo que dá, afunda novamente no barro. Talvez pense que não está conseguindo nada com estes passos, mas a verdade é que cada passo o aproxima mais da terra seca.

O sábio samurai

Perto de Tóquio, vivia um grande samurai, já idoso, que agora se dedicava a ensinar Zen aos jovens. Apesar de sua idade, corria a lenda de que ainda era capaz de derrotar qualquer adversário.

Certa tarde, um guerreiro, conhecido por sua total falta de escrúpulos, apareceu por ali. Era famoso por utilizar a técnica da provocação. Esperava que seu adversário fizesse o primeiro movimento e, dotado de uma inteligência privilegiada para observar os erros cometidos, contra-atacava com velocidade fulminante. O jovem e impaciente guerreiro jamais havia perdido uma luta. Conhecendo a reputação do samurai, estava ali para derrotá-lo e aumentar sua fama.

Todos os estudantes se manifestaram contra a ideia, mas o velho e sábio samurai aceitou o desafio. Foram todos para a praça da cidade. Lá, o jovem começou a insultar o velho mestre. Chutou algumas pedras em sua direção, cuspiu em seu rosto, gritou todos os insultos que conhecia, ofendendo, inclusive, seus ancestrais. Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho sábio permaneceu impassível. No final da tarde, sentindo-se exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro desistiu e retirou-se.

Desapontados pelo fato de o mestre ter aceitado tantos insultos e tantas provocações, os alunos perguntaram:

 Como o senhor pôde suportar tanta indignidade? Por que não usou sua espada, mesmo sabendo que poderia perder a luta, ao invés de se mostrar covarde e medroso diante de todos nós?

 Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem pertence o presente?  perguntou o Samurai.

 A quem tentou entregá-lo ‒ respondeu um dos discípulos.

 O mesmo vale para a inveja, a raiva e os insultos ‒ disse o mestre. ‒ Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem os carrega consigo. A sua paz interior, depende exclusivamente de você. As pessoas não podem lhe tirar a serenidade, só se você permitir!

Ahmad Mussain e o Imperador

O Imperador Mahmud El-Ghazna passeava um dia com o sábio Ahmad Mussain, que tinha reputação de ler pensamentos. O Imperador, há algum tempo, vinha tentando que o sábio fizesse diante dele uma demonstração de sua capacidade. Como Ahmad se recusava a fazer a sua vontade, Mahmud havia decidido recorrer a um ardil para que o sábio, sem o perceber, exercesse seus extraordinários dotes na sua presença.

‒ Ahmad - chamou o Imperador.

‒ Que desejas, Senhor?

‒ Qual é o ofício do homem que está perto de nós?

‒ É um carpinteiro.

‒ Como se chama? 

‒ Ahmad, como eu.

‒ Será que comeu alguma coisa doce recentemente?

‒ Sim, comeu.

Chamaram o homem e ele confirmou tudo o que o sábio havia dito.

‒ Tu ‒ disse o Imperador ‒ te recusaste a fazer uma demonstração dos teus poderes na minha presença. Percebeste que te forcei, sem que o notasses, a demonstrar tua capacidade, e que o povo te transformaria num santo se eu contasse em público as revelações que me fizeste? Como é possível que continues ocultando a tua condição de sufi e pretendas passar por um homem qualquer?

‒ Admito que posso ler pensamentos - concordou Ahmad - mas o povo não percebe quando faço isso. Minha dignidade e meu amor-próprio não me permitem exercer esse dom com propósitos frívolos. Por isso meu segredo continua ignorado.

‒ Mas admites que agora mesmo acabas de usar teus poderes?

‒ Não, absolutamente não.

‒ Então como pudeste responder minhas perguntas acertadamente?

‒ Facilmente, Senhor. Quando me chamaste, esse homem virou a cabeça, o que me indicou que seu nome era igual ao meu. Deduzi que era carpinteiro porque, neste bosque, só dirigia o olhar para árvores aproveitáveis. E sei que acabara de comer alguma coisa doce, porque vi que estava espantando as abelhas que procuravam pousar nos seus lábios. Lógica, meu Senhor. Nada de dons ocultos ou especiais.

Discípulo impaciente

Após uma exaustiva sessão matinal de orações no mosteiro de Piedra, o noviço perguntou ao abade:

‒ Todas estas orações que o senhor nos ensina, fazem com que Deus se aproxime de nós?

‒ Vou responder-lhe com outra pergunta - disse o abade. Todas estas orações que você reza irão fazer o sol nascer amanhã? Claro que não! O sol nasce porque obedece a uma lei universal! Então, esta é a resposta à sua pergunta. Deus está perto de nós, independentemente das preces que fazemos.

O noviço revoltou-se:

‒ O senhor quer dizer que as nossas orações são inúteis?

‒ Absolutamente. Se você não acorda cedo, nunca conseguirá ver o sol nascendo. Se você não reza, embora Deus esteja sempre perto, você nunca conseguirá notar Sua presença.

Há uma mulher...

Há uma mulher que tem algo de Deus, pela imensidão do seu amor, e muito de anjo, pela incansável solicitude dos seus cuidados; uma mulher que, sendo jovem, tem a reflexão de uma anciã e, na velhice, trabalha com o vigor da juventude; Uma mulher, que, se é ignorante, descobre os segredos da vida com mais acerto que um sábio, e, se é instruída, se acomoda à simplicidade das crianças; uma mulher que, sendo pobre, se satisfaz com a felicidade daquele que a ama e, sendo rica, daria com gosto os eu tesouro para em seu coração não sofrer a ferida da ingratidão; uma mulher que, sendo vigorosa, treme com o gemido de um pequenino e, sendo débil, assume, às vezes, a bravura de um leão; uma mulher que enquanto viva, não a sabemos estimar, porque a seu lado todas as dores se esquecem, mas, depois de morta, daríamos tudo o que somos e tudo o que temos para a ver de novo um só instante, para receber dela um só abraço, para escutar uma só palavra dos seus lábios.

Dessa mulher não me exijais o nome, se não quereis que cubra de lágrimas o vosso álbum, porque já a vi passar no meu caminho.

Quando crescerem os vossos filhos, lede-lhes esta página, e eles, cobrindo de beijos a vossa face, vos dirão que humilde peregrino, em paga da suntuosa hospedagem recebida deixou aqui, para vós e para eles, um esboço do retrato de Mãe!

Monsenhor Ramón Angel Lara
(Bispo chileno)


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