domingo, 28 de agosto de 2016

Jogo de víspora em família

Paulo Ney


Em Grussahy na temporada de praia do verão os dias são de sol e com raras nuvens e, pode-se contar nos dedos de uma das mãos a incidência de chuva no período.

Cai a noite levando o calor da manhã ensolarada passada na orla da praia e a causticante tarde devido ao sol inclemente. Ao anoitecer o vento nordeste despencava a temperatura e os agasalhos saíam dos armários.

A meninada durante o dia se esfalfava em brincadeiras desde o raiar do sol. Pelas manhãs, no varandão da nossa casa de praia correndo ao redor, balançando nas redes disputando quem atingia as telhas com os pés, perseguindo cabritos pelos arredores, apostando corridas para ver quem primeiro chegava ao mar pela trilha arenosa e muito quente, mergulhando sem cessar nas águas toldadas pela influência da foz do Rio Paraíba, fazendo buracos enormes na beira da praia, pegando tatuís e nadando até os puçás colocados pelos adultos para verificar se lá estavam alguns siris.

Ao chegar do banho de mar participávamos do enchimento das caixas d’água contribuindo, segundo a capacidade de cada um, com vigorosas “bombadas” na pesada roda que acionava o êmbolo de sucção. Com os braços “moídos” íamos para o banho tirando os bolos de areia que trazíamos dentro dos calções e maiôs.

Almoço servido, a voracidade assolava a turminha que “limpava” os pratos freneticamente e, raro não pedirem um farto “bis”. Agora descansar, era a ordem imposta pelos pais.

Um cochilo de um só olho visando o recomeçar das brincadeiras e, com o outro, olhando o relógio antigo da sala esperávamos passar o tempo que nos foi imposto.

Mal dava a hora, agora mais protegidos do sol da tarde com camisas e bonés, lá íamos nós procurando nossas estrelas com as rabiolas de tiras de aniagem e os grossos rolos de barbante para soltá-las no campo. Cada um ajudava o outro segurando a estrela para empiná-la na direção do vento.

Estrelas no céu, paz na terra! Essa atividade tomava toda a tarde até o anoitecer. Novo banho para retirar o suor, limpar os pés pretos de sujeira e, quem se machucou com picos e espinhos ia sentar-se numa cadeira para que fosse aliviado dos estrepes pelos adultos com suas agulhas desinfetadas. Pegava-se também os “bichos de pé”, aqueles das boas cócegas quando se esfregava o pé no lençol ou cobertor. Só quem os teve sabe avaliar!

Jantar servido e o dia quase terminando, mas a turminha queria mais e, para encher o tempo até o sono vir se armava mesas de víspora, termo daquela época hoje mais conhecido como loto ou bingo. Parentes vinham das casas vizinhas a pé ou de camionete para poder trazer uma tia idosa que era fã do jogo.

Sob a luz dos lampiões a querosene que produziam um chiadinho característico na grande mesa da casa sentavam os adultos. A meninada se acomodava em uma mesinha baixa ou no chão. Cada um tinha seu saquinho de moedinhas destinadas ao jogo que, de tão baratinho podia-se dizer, usando um termo da época, que era a “leite de pato”!

Cartelas dispostas, milho para a marcação distribuído, apostas feitas nos seis pires, o “cantador” do jogo enfiava a mão no saco (com as pedrinhas, é claro) e desfiava os números. Os números não eram proferidos pelo numeral matemático, cada um tinha um “apelido” e raros os numerais de 01 a 90 que não o tivesse. Desde “começou o jogo”, 01, até o “nas ventas”, 90.

A meninada sabia todos os “apelidos” das pedras! Mal o cantador vociferava, “tripa, fato, fissura e bofe” nós não titubeávamos, marcávamos o 34. Apreciávamos quando cantava esta pedra: “As tetas da Sinhá Justina”. Era uma risadaria só e lascávamos o caroço de milho no 66. E isso se estendia até tarde da noite. Uns saíam porque acabavam as suas moedas, estavam “expilados”, outros por que o sono era mais forte e os derrubava.

Ficávamos cabreiros com a conferência dos nossos prêmios, se o acerto saísse para a grande mesa dos adultos o “sortudo” pegava o pires rapidinho recolhia as moedas e até palmas se ouvia, se o vencedor fosse algum dos pequenos no chão havia uma burocracia danada de conferência, vinha o cantador ver a cartela e, confirmados os números, as moedas do pires eram passadas. Se houvesse erro, o caminho do quarto era indicado e suspenso por dois jogos.

Na rodada final tinha a famosa “bomba” que consistia em preencher todos os números de uma cartela. As apostas eram dobradas, alguns adultos jogavam com mais de uma cartela engrossando desta forma o valor da aposta e as moedas eram colocadas em um só pires.

Esfregávamos as mãos de contentamento ao disputá-la, pois representava muito para nós. Quem ganhasse a “fortuna” poderia comprar uns maços a mais de ingá, tomar uns picolés extras na praia e outras necessidades infantis não contempladas com as mesadas.

Mas, pinoia, toda noite era a mesma coisa. A tia idosa era de uma sorte ímpar. Não deixava para ninguém, só dava ela! A “bomba” lhe pertencia! Saíamos zangados por não ter conseguido o pote do tesouro.

Tempos mais tarde, viemos saber que na rodada final, após saírem várias pedras, quem manipulava o saco com as pedras se colocava estrategicamente atrás da nossa tia e fingindo retirar pedras ia cantando um a um os números faltantes da cartela dela.

Era uma alegria que davam a nossa tia a cada noitada de víspora lhe concedendo a felicidade de se considerar de magnífica sorte no jogo. Ela ia dormir em paz e deliciosamente feliz. Hoje concordamos com a atitude dos nossos parentes, mas na ocasião só faltávamos colocar “fogo pelas ventas”!

*****

Cantar as pedras de bingo

O jogo de bingo (ou víspora) que acontece nos quatros canto do Brasil, possui um fato interessante, as vezes os números que são sorteados ("cantados" na expressão popular) são ditos de forma que lembre alguma imagem ou trocadilho sonoro ou fato histórico.

1   = Ronco de porco (Onomatopeia do som suíno) ou Inicio do jogo;

5   = Cachorro (referência ao jogo do bicho);

6   = Meia dúzia;

9   = Pingo no pé 9 é ( Uma rima com o n° 9);

10 = Craque de bola (Referência ao número da camiseta de Pelé);

11 = Casa de bronze (rima com o número onze) ou Um atrás do outro (imagem gráfica do n°);

12 = Uma dúzia;

13 = Maria Cristina (esse nome tem 13 letras);

18 = Dos outros (trocadilho sonoro com o número);

20 = Peru de Natal (a imagem do n° 20 lembra um peru de ceia);

22 = Dois patinhos na lagoa (Uma das mais famosas associações com a imagem de um número);

23 = Descendente dele (Referência ao n° 24);

24 = Número feio (O número 24 esta relacionado à homossexualidade, novamente uma referência ao Jogo do Bicho em que o n° 24 é o veado);

25 = Depois dele (Referência ao n° 24);

26 = Holandês (Trocadilho sonoro);

33 = Idade de Cristo ( Cristo morreu com 33 anos);

38 = Justiça de Goiás (referência ao revólver 38 usado para resolver certos problemas...);

44 = Quá-quá-quá ou Bico Largo (Trocadilho sonoro);

51= Uma boa ideia (Referência a um jargão publicitário de uma marca de cachaça);

55 = Dois portugueses numa perna só ou dois cachorros do padre (Esse é o mais misterioso das imagens ou significados, não encontrei ainda o motivo de chamarem assim);

66 = Um tapa atrás da orelha (Trocadilho sonoro);

69 = Um pra cima e outro para baixo ou De qualquer jeito (Referência a imagem do n°);

77 = Duas machadinhas (Referência a imagem do n°);

90 = A velha (Referência a idade avançada).

Variações

1   - Fecha a boca e geme;
7   - É o machado;
8   - Biscoito;
9   - Artilheiro, centroavante;
10 - Galinho de Quintino;
22 - O mascador (referência ao revólver);
24 - Rapazinho alegre;
40 - Panelão sem fundo;
44 - Pezão.

1   - Começou o jogo;
2   - Só um patinho na lagoa;
3   - Porquinhos ou mosqueteiros;
4   - Pernas da mesa;
5   - Aperte o cinto;
6   - Pingo na cabeça;
7   - Anões da Branca de Neve;
8   - Biscoito;
9   - Pingo no pé;
10 - Camisa dele (Pelé);
11 - Um atrás do outro;
12 - Vitamina B12;
13 - Número de sorte (Zagallo);
14 - Dona Florinda;
15 - Debutante;
22 - Dois patinhos na lagoa;
24 - Rapaz alegre;
30 - São minta, saiu 30;
33 - Idade de Cristo ou o médico mandou dizer: diga 33;
40 - A idade da loba;
44 - Quará-quá-quá;
45 - Fim do primeiro tempo;
50 - É penta;
51 - Concorrente da (outra marca de pinga);
58 - Primeira copa;
60 - Para descansar;
62 - Bi-mundial ou segunda copa;
66 - Um tapa na orelha ou "sem sapato";
70 - Até conseguir;
71 - Dona Clotilde;
72 - Seu Madruga;
75 - Terminou o jogo. Alguns terminam em 75, não em 90.

1   - Começou a partida;
2   - Dunga;
3   - Orelha do padre;
4   - A borboleta;
5   - O famoso cachorrinho;
6   - Pingo na pança, o seis que avança;
7   - Cachimbo da velha;
8   - Violão sem braço;
9   - Pingo no pé, nove que é;
10 - O barrigudo;
11 - Dois palitos;
13 - Terezinha de Jesus;
14 - Catrocha pro mato grosso.
15 - O jacarezinho;
16 - O leão ta solto;
17 - O bicho que pula;
18 - O porco palmeirense;
19 - Pavão?
20 - Amigo ouvinte nº 20;
21 - O touro;
22 - Dois patinhos na lagoa;
23 - O bem pertinho;
24 - Esse tem muitas referências;
25 - A vaca, o fim do jogo do bicho;
28 - Vem torto que eu endireito;
29 - O famoso São Pedro;
30 - Trinca mais não racha;
32 - O revolvinho;
33 - Idade mais famosa dos tempos;
35 - Triste Chico;
38 - O famoso revolvão;
39 - Trinta e tudo;
40 - Raso quarenta;
43 - Cavalo;
44 - Quaraquacá;
45 - Fim da primeira etapa;
48 - O sanfonão;
49 - Quarenta e tudo;
50 - Raso 50;
51 - Uma boa grande ideia;
55 - Parelha de mula baia;
59 - Cinquenta e tudo;
60 - Agora, meu amigo, você senta;
66 - Duas velhas;
69 - Virando cambota;
70 - O zoio da cabra;
75 - Final do jogo / terminou a partida. Boa sorte, bom jogo.

No Rio Grande do Sul

1   – Começou o jogo;
2   – Marrequinha;
6   – Pingo na pança, é o seis que avança;
7   – Conta de mentiroso;
10 – Burro és;
11 – Perninhas do maçarico;
13 – Número de azar;
15 – Quinzô, na porta não chegou;
20 – Diabo que te pinte;
22 – Duas marrequinhas que avançam;
33 – Idade de Cristo;
44 – Duas cadeirinhas;
55 – Parelhinhas de cinco;
66 – Meia, meia;
69 – Um que vai, outro que vem;
77 – Parelha de martelinhos;
88 – Dois barrigudinhos;
90 – Vovô.

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