Rui Barbosa
Meu país conhece o meu credo
político, porque o meu credo político está na minha vida inteira. Creio na
liberdade onipotente, criadora das nações robustas; creio na lei, emanação
dela, o seu órgão capital, a primeira das suas necessidades; creio que, neste
regime, não há poderes soberanos, e soberano, é só o direito, interpretado
pelos tribunais; creio que a própria soberania popular necessita de limites, e
que esses limites vêm a ser as suas Constituições, por ela mesma criadas, nas
suas horas de inspiração jurídica, em garantia contra os seus impulsos de
paixão desordenada; creio que a República decai, porque se deixou estragar
confiando-se ao regime da força; creio que a Federação perecerá, se continuar a
não saber acatar e elevar a justiça; porque da justiça nasce a confiança, da
confiança a tranquilidade, da tranquilidade o trabalho, do trabalho a produção,
da produção o crédito, do crédito a opulência, da opulência a respeitabilidade,
a duração, o vigor; creio no governo do povo pelo povo; creio, porém, que o
governo do povo pelo povo tem a base da sua legitimidade na cultura da
inteligência nacional pelo desenvolvimento nacional do ensino, para o qual as
maiores liberalidades do tesouro constituíram sempre o mais reprodutivo emprego
da riqueza pública; creio na tribuna sem fúrias e na imprensa sem restrições,
porque creio no poder da razão e da verdade; creio na moderação e na
tolerância, no progresso e na tradição, no respeito e na disciplina, na
impotência fatal dos incompetentes e no valor insuprível das capacidades.
Rejeito as doutrinas de arbítrio; abomino as ditaduras de todo o gênero,
militares ou científicas, coroadas ou populares; detesto os estados de sítio,
as suspensões de garantias, as razões de Estado, as leis de salvação pública;
odeio as combinações hipócritas do absolutismo dissimulado sob as formas
democráticas e republicanas; oponho-me aos governos de seita, aos governos de
facção, aos governos de ignorância; e, quando esta se traduz pela abolição geral
das grandes instituições docentes, isto é, pela hostilidade radical à
inteligência do País nos focos mais altos da sua cultura, a estúpida selvageria
dessa fórmula administrativa impressiona-me como o bramir de um oceano de
barbaria ameaçando as fronteiras de nossa nacionalidade.
* “Resposta a César Zama”.
Discurso no Senado Federal em 13 de outubro de 1896. Obras Completas de Rui
Barbosa, Vol. XXIII, 1896, tomo V, p. 37-38.
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