Um
dia o pajé me chamou a sua oca. Entrei. Fui recebido com esta pergunta:
–
Tibicuera, qual é o maior bem da vida?
A
coragem – respondi sem esperar um segundo.
–
Só a coragem?
Embatuquei.
O pajé ficou sorrindo por trás da fumaça do cachimbo. Gaguejei!
–
A... a...
O
feiticeiro me interrompeu:
–
O pajé é corajoso. Mas que vale isso? Seu braço não pode levantar o tacape,
seus pés não mais força para correr.
–
Oh! – exclamei – Mas tu és poderoso, sabes de remédios para todas as dores,
consegues com tuas mágicas.
O
pajé continuou a sorrir. Sacudiu a cabeça:
–Ilusão
–disse.
Depois
de fazer um silêncio curto tornou a falar:
–
O maior bem da vida é a mocidade. Um dia Tibicuera fica velho. Atirado na oca,
fazendo rede. Não pode mais ir para a guerra. O jaguar urra no mato e Tibicuera
não tem força para manejar o arco. Tibicuera é mais fraco que mulher.
Escancarou
a boca desdentada. Eu escondi o rosto nas mãos para não enxergar o fantasma da
minha velhice.
–
Pajé... Tibicuera não quer ficar velho. Ensina-me um remédio para vencer o
tempo, para vencer a morte. Tu que sabes tudo, que viste tudo, que falaste com
o grande Sumé.
O
pajé continuava a me olhar com os olhos espremidos. Bateu na testa com o dedo
indicador da mão direita...
–
O remédio está aqui dentro, Tibicuera. Não há feitiçaria. O pajé gosta de ti.
Ele te ensina. O tempo passa, mas a gente finge que não vê. A velhice vem, mas
gente luta contra ela, como se ela fosse um guerreiro inimigo. Os homens
envelhecem porque querem. Só muito tarde é que compreendi isso. Tibicuera pode
vencer o tempo. Tibicuera pode iludir a morte. O remédio está aqui. – Tornou a
bater com a vara na testa – Está no espírito. Um espírito alegre e são vence o
tempo, vence a morte. Tibicuera morre? Os filhos de Tibicuera continuam. O
espírito continua: a coragem de Tibicuera, o nome de Tibicuera, a alma de
Tibicuera, o filho é a continuação do pai. E teu filho terá outro filho e teu
neto também terá descendentes e o teu bisneto será bisavô dum homem que
continuará o espírito de Tibicuera e que portanto ainda será Tibicuera. O corpo
pode ser outro, mas o espírito é o mesmo. Eu te digo, rapaz, que isso só será
possível se entre pai e filho existir uma amizade, um amor tão grande, tão
fundo, tão cheio de compreensão, que no fim Tibicuera não sabe se ele e o filho
são duas pessoas ou uma só.
Eu
olhava para o pajé, mal compreendendo o que ele me ensinava. O feiticeiro falou
até madrugada alta. Quando voltei para minha oca fiquei longo tempo olhando meu
filho que dormia na rede.
E
eu me enxerguei nele, como se a rede fosse um grande espelho ou a superfície
dum lago sereno.
(“As Aventuras de Tibicuera”, de Érico Veríssimo)
Eu tinha 8 anos de idade quando decorei este texto do livro escolar de um irmão mais velho,decorei cada palavra e nunca mais esquecimpressionou ssionou tanto,que o carreguei durante a vida...hoje,já com 55anos,entendo o porque:sempre soube que não queria passar pela velhice,ela me traz horror,prefiro a morte,que se faz muito mais desejosa para eu,do que aguardar e ter que passar pelo estagio da pré decomposição em vida.Decomposicao daquilo que quis e sonhei,da pele e do víço da juventude. Decomposição do desejo de vida,da possibilidade de sonhar com o futuro e as infinitas possibidades da juventude.Doce,alegre e fugaz juventude que a velhice nos toma para si...lamentável perda.
ResponderExcluirAmiga Anádia Lucilla, eu, o editor deste almanaque, estou com 76 anos, sei bem o que estás sentindo neste momento difícil pelo qual estamos passando. Mas creia, tudo isso irá passar e tudo voltará ao normal. Não o que devo dizer-te para que tenhas uma visão mais otimista da vida. Tente, de alguma forma, ser feliz. Continue lendo os nosso textos; eles estão cheios de lição de otimismo.
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