Paulo Mendes
Relatos de viajantes que percorreram
o Rio Grande dão conta de que o Pampa era aterrorizante. O medo vinha pela
sensação de infinito dos campos abertos, com muita luz, que abarcava e embaçava
a visão. Diziam que o pampa era um mar de terra, plano e sem atrativos. Para
Miguelito, nascido nas pradarias, aquilo era o seu lar. A terra deu-lhe a vida
e se sentia muito bem quando estava montado, com o laço atado nos tentos,
esparramando as melenas contra os ventos de abril.
Morava num rancho de barro num fundão
de corredor. Dormia escutando o barulho da água batendo nas pedras da sanga,
que corria perto, onde lavava sua própria roupa e tomava banho no verão.
Acordava com o passarinhada em cantoria, com o canto de um galo carijó e com os
latidos de seu cachorro Jundiá. Vivia de pequenas changas, criava uma vaca de
leite, umas ovelhas, galinhas, dois porcos e, na lavourinha, sempre plantava
mandioca e milho. Ao lado da casa, tinha uma parreira, uma pequena horta e um
pomar. Dentro, só a cama rústica, uma mesa de madeira, um armário onde guardava
camisas e bombachas, um cavalete com os arreios, outro armário suspenso para os
mantimentos e um fogão de barro com chapa de ferro. Pendurada numa parede, a foto
de sua mãe, ainda jovem, ao lado de um antigo rádio de pilha.
Ganhava pouco, é verdade, mas aquilo
lhe bastava. A única coisa que sentia falta era de amor. Por isso, cada vez que
botava umas platas no bolso, encilhava a rosilha, presente de um padrinho, e ia
matar a sua sede de prazer nos braços da Candinha, a china mais moça da tia
Anita, na beira da via férrea da vila. Precisava andar duas, três horas até
chegar lá, mas valia a pena. Escutava uns tangos de vitrola, bebia vinho, às
vezes um trago de aguardente com limão, por outras cachaça com gasosa. A velha
Anita contava com cinco mulheres, bonitas e candongueiras, mas Miguelito se
afeiçoara à Candinha.
Então, naquele domingo, foi difícil
para Miguelito saber que a Candinha estava com um “cliente”. Não aceitou outras
“ofertas” e se tocou de volta pra casa. Sabia que não tinha direitos sobre ela,
mas vinha com uns ciscos nos olhos e uma coxilha no coração. Passou a noite
insone. No outro dia, não foi trabalhar na fazenda do seu Antunes. Troteou
direto pra vila, bateu na janela da Candinha, que abriu. Conversaram por uns
instantes. O que disseram ninguém soube. Mas, dez minutos depois, a Candinha
saiu com uma maleta e montou na garupa da rosilha. Chegaram ao rancho no meio
da tarde e matearam embaixo da parreira até o anoitecer.
E viveram
juntos, naquele pequeno mundo pampeano, sem medo nenhum, porque o campo só é
triste quando o coração pena.
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