quarta-feira, 6 de abril de 2016

Antologia do humor



Vamos Acabar Com Esta Folga

Stanislaw Ponte Preta
(Sérgio Porto)

O negócio aconteceu num café. Tinha uma porção de sujeitos, sentados nesse café, tomando umas e outras. Havia brasileiros, portugueses, franceses, argelinos, alemães, o diabo.

De repente, um alemão forte pra cachorro levantou e gritou que não via homem pra ele ali dentro. Houve a surpresa inicial, motivada pela provocação e logo um turco, tão forte como o alemão, levantou-se de lá e perguntou:

– Isso é comigo?

– Pode ser com você também – respondeu o alemão.

Aí então o turco avançou para o alemão e levou uma traulitada tão segura que caiu no chão. Vai daí o alemão repetiu que não havia homem ali dentro pra ele. Queimou-se então um português que era maior ainda do que o turco. Queimou-se e não conversou. Partiu para cima do alemão e não teve outra sorte. Levou um murro debaixo dos queixos e caiu sem sentidos.

O alemão limpou as mãos, deu mais um gole no chope e fez ver aos presentes que o que dizia era certo. Não havia homem para ele ali naquele café. Levantou-se então um inglês troncudo pra cachorro e também entrou bem. E depois do inglês foi a vez de um francês, depois de um norueguês etc. etc. Até que, lá do canto do café levantou-se um brasileiro magrinho, cheio de picardia para perguntar, como os outros:

– Isso é comigo?

O alemão voltou a dizer que podia ser. Então o brasileiro deu um sorriso cheio de bossa e veio vindo gingando assim pro lado do alemão. Parou perto, balançou o corpo e... pimba! O alemão deu-lhe uma porrada na cabeça com tanta força que quase desmonta o brasileiro.

Como, minha senhora? Qual é o fim da história? Pois a história termina aí, madame. Termina aí que é pros brasileiros perderem essa mania de pisar macio e pensar que são mais malandros do que os outros. 


Tragédia Concretista

Luís Martins

O poeta concretista acordou inspirado. Sonhara a noite toda com a namorada. E pensou: lábio, lábia. O lábio em que pensou era o da namorada, a lábia era a própria. Em todo o caso, na pior das hipóteses, já tinha um bom começo de poema. Todavia, cada vez mais obcecado pela lembrança daqueles lábios, achou que podia aproveitar a sua lábia e, provisoriamente desinteressado da poesia pura, resolveu telefonar à criatura amada, na esperança de maiores intimidades e vantagens. Até os poetas concretistas podem ser homens práticos.

Como, porém, transmitir a mensagem amorosa em termos vulgares, de toda a gente, se era um poeta concretista e nisto justamente residia (segundo julgava) todo o seu prestígio aos olhos das moças? Tinha que fazer um poema. A moça chamava-se Ema, era fácil. Discou. Assim que ouviu, do outro lado da linha, o “alô” sonolento do objeto amado, foi logo disparando:

– Ema. Amo. Amas?

– Como? – surpreendeu-se a jovem – Quem fala?

– Falo. Falas. Falemos.

A pequena, julgando-se vítima de um “trote”, ficou por conta e, como era muito bem-educada (essas meninas de hoje!), desligou violentamente, não antes de perpetrar, sem querer, um precioso “hai-kai” concretista:

– Basta, besta!

O poeta ficou fulminado. Não podia, não podia compreender. Sofreu, que também os concretistas sofrem; estava apaixonado, que também os concretista se apaixonam, quando são jovens – e todo poeta concretista é jovem. Não tinha lábia. Não teria os lábios. Por que não viajar para a Líbia? Desaparecer, sumir… Sentia-se profundamente desgraçado, inútil. Um triste. Um traste.

O consolo possível era a poesia. Sentou e escreveu:

“Bela. Bola. Bala.”

O que, traduzindo em vulgar, vem a dar esta banalidade: “A minha bela, não me dá bola. Isto acaba em bala.”

Não acabou, naturalmente. Tomou uma bebedeira e tratou de arranjar outra namorada, a quem dedicou um soneto parnasiano. Foi a conta. Casaram-se e são muito falazes… Oh! Perdão: felizes.


Homem precavido corre por dois

José Cândido de Carvalho

Entrou no Bar Pico Doce e falou pelo canto da boca, com jeito de poucos amigos.

– Se tem homem nesta bodega levanta que vai morrer estraçalhado.

Um grandão, de cara tipo ninho de cobra, desembolsou quase dois metros de tamanho e falou:

– Te prepara, filhote de jacaré, para brigar comigo.

E o outro:

– Comigo, uma ova! Tu que é de briga vai brigar agora mesmo com o leão que fugiu do circo de cavalinho e quer mastigar um valente desta praça, que eu nem desta praça sou. Vim apenas avisar. Passar bem e até nunca mais. O ronco do leão já está chegando.

E deu no pé.


Armas

Fagundes Varela


Qual a mais forte das armas,
A mais firme, a mais certeira?
A lança, a espada, a clavina,
Ou a funda aventureira?
A pistola? O bacamarte?
A espingarda, ou a flecha?
O canhão que em praça forte
Em dez minutos faz brecha?
Qual a mais firme das armas?
O terçado, a fisga, o chuço,
O dardo, a maça, o virote?
A faca, o florete, o laço,
O punhal, ou o chifarote?
– A mais tremenda das armas,
Pior que a durindana,
Atendei, meus bons amigos:
Se apelida: – a língua humana.


Sobre o futurismo representado por Graça Aranha, versejou o filólogo Carlos de Laet, a propósito duma conspiração abortada (segundo Idel Becker, Graça Aranha enviara a São Paulo um telegrama cifrado, anunciando o imediato estouro dum movimento revolucionário. Dizia o telegrama: “Tumor mole virá a furo esta noite”. A polícia traduziu corretamente; e prendeu o Graça Aranha. Laet comentou, então: “O Aranha publicou um livro simbólico, Canaã, que ninguém compreendeu... Agora faz um telegrama secreto, que todo o mundo decifrou. Obscuro, quando quer a claridade; diáfano, quando busca o mistério. Que estilista!”:

Soneto futurista

Carlos de Laet

Noite. Calor. Concerto nos telhados.
Cubos esferoidais. Gatas e gatos.
Vênus. Graças. Aranhas. Carrapatos.
Melindrosas. Poetas assanhados.

Rabanetes azuis. Sóis encarnados.
Comida no alguidar. Cuspo nos pratos.
Três rondas a cavalo. Mil boatos.
Prosa sesquipedal. Tropos safados.

Avenida deserta. Bondes. Grama.
Chopes Fidalga. Leite. Pão de ló.
Carros de irrigação. Salpicos. Lama.

Vacas magras. Esfinge. Triste. Só.
Tumor mole. São Paulo. Telegrama.
Dois secretas. Cubismo. Xilindró.

Soneto cacoépico

Glauco Mattoso

É má cacofonia “heroico brado”,
que faz o nosso hino ser por cada
macaco no seu galho de piada
motivo, mito presto profanado.

Galhofo quando grafo “deputado”,
um réu por cuja mãe a pátria brada
e cuja nota tem que amar melada
a puta que a recebe de ordenado.

Por ti gela meu pinto, e por ti são
meus bagos esmagados qual sardinha,
ó língua de tão baixo palavrão!

Dos cacos que cuspi, calou Caminha.
A mim toca, contudo, uma questão:
Se já Camões fez caca em “Alma minha”...

NATAL

Neste Natal quisera eu ter a dita
De ir ao teu lado, à sombra do teu vulto,
Ao menino Jesus render meu culto
Numa igrejinha simples e catita.
Longe dos faustos deste mundo estulto, 
Num idílio de monja e cenobita
Entre os meus braços o teu rosto oculto, 
Do amor a benção receber bendita.
Da natureza ouvindo a sinfonia. 
Lá no Leme, entre as águas e as montanhas 
Passarmos docemente o inteiro dia.
E à noite, após "complicações" tamanhas 
Fazermos a consoada numa orgia 
De vinho verde, beijos e castanhas.
O sapateiro à namorada:
Que queres, meu amor que eu ponha no teu sapatinho?
Ela, dengosa e sincera:
Uma meia sola.

Solenemente

Hermes Fontes

Juro por tudo quanto é jura... juro
por mim... por ti... por nós... por Jesus Cristo
– que hei de esquecer-te... Vê-me: estou seguro
contra o teu sólio, a cuja queda assisto.

E visto que duvidas tanto, visto
que ris do que, solene, te asseguro,
juro mais: pelo ser em que consisto,
por meu Passado, pelo teu Futuro!

Juro pela Virgem-Maria concebida!
Pelas venturas de que vou no encalço!
Por minha vida... pela tua vida!

Juro por tudo o que mais amo e exalço!
...E, depois de uma jura tão comprida,
juro... juro que estou... jurando falso.






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