sexta-feira, 22 de abril de 2016

O velho professor

Renê Barreto*


*Renê Barreto - Prosador e poeta brasileiro. Poeta bissexto, isto é, poeta que apesar da escassa produção se celebrizou por um único poema: O Velho Professor.


Andava muito doente o velho professor...
Por isso, ele não tinha agora o mesmo ardor,
que outrora o possuía e que o animava dantes.
Às vezes, quando em aula, havia mesmo instantes
em que inclinava a fronte (aquela fronte austera
onde já desbotara a flor da primavera)
e cochilava um pouco, involuntariamente.
O velho professor andava muito doente.

Era, porém, tamanho o bem que nos queria
Que jamais quis pedir aposentadoria
e manter-se do Estado, à custa dessa esmola.
Era sempre o primeiro a aparecer, na escola,
com joviais maneiras, tão simpáticas,
não obstante sentir umas dores tão reumáticas
que o faziam sofrer, ultimamente.
O velho professor andava muito doente...

Um dia ele chegou mais tarde, alguns momentos.
Trazia nas feições sinais de sofrimentos...
A palidez do rosto, os olhos encovados
denunciavam seus pesares ignorados.
E, como para tomar a dor mais manifesta.
cavara-se-lhe fundo uma ruga na testa.
Franzia-lhe o rosto uma expressão de dor.
Andava muito doente o velho professor.

A aula começou. Mas, pouco depois das onze,
o velho mestre, o bom trabalhador de bronze,
(que já perto de trinta anos ou mais, havia
que – gigantesco herói – lutava dia a dia,
para a glória da pátria e para o bem da infância,
dando batalha ao vício e combate à ignorância.)
sentindo de uma dor os agudos abrolhos,
curvou as nobres cãs, cerrou de leve os olhos.

Fora, fulgia o sol. A manhã era calma.
Sorrindo, a natureza abria a sua alma
repleta de alegrias e cheia de esplendores.
Pela janela aberta, entrava o hálito das flores;
em toda a atmosfera azul lavada, fina,
ressoava baixinho, assim como em surdina,
um canto celestial, harmonioso e suave,
anjos tocando, em harpa, alguma canção de ave.

Nisto ergueu-se um aluno, um pândego, um peralta,
fabricou de um jornal um chapéu de copa alta.
e bem devagarinho (oh! que ideia travessa)
chegou-se ao mestre... zás! enfiou-lhe na cabeça.
E rápido se foi de novo ao seu lugar.
O mestre nem abriu o sonolento olhar.
E àquele aspecto vil de truão, de improviso,
rebentou pela aula estardalhante riso.

De súbito, surgiu o diretor, na aula...
Demudou-se-lhe o gesto, estremeceu a fala.
quando ele, transformando a sua mansidão de boi
em fúria de leão, nos perguntou: “Quem foi?”
“Quem foi esse vilão que fez tal brejeirice,
“sem respeito nenhum às cãs desta velhice?
“Vamos lá! Sede leais, verdadeiros e francos.
“dizei: quem ofendeu estes cabelos brancos?”

Mas ninguém denunciou da brincadeira o autor!
Como um truão dormia o velho professor!
O diretor, então, chegou-se junto à mesa...
Via-se-lhe no rosto, o incômodo, a surpresa,
de que o sono do mestre assim se prolongasse.
Curvou-se meigamente e levantou-se a face.
Mas recuou tremendo, aterrado, absorto,
aniquilado e mudo... O Mestre estava morto.

                                  *****

P.S. O inspetor René de Oliveira Barreto, foi parceiro de xadrez (o jogo) de Malba Tahan, famoso professor de Matemática, quando este tinha 11 anos de idade, era formado na Escola Modelo Caetano de Campos-SP e autor de livros sobre o uso de materiais concretos em aulas de aritmética e geometria, método chamado “intuitivo” (1912, 1915).

24 comentários:

  1. Amei.pena que foi tarde.Quando me deitei para dormir,pensando no dia do professor lembrei-me desta linda poesia que declamava na escola e sempre quando me pediam. O tempo foi passando e mudando os pedidos,Agora só eu não esqueci.Já com 80 anos lembrei-me da poesia.Saí da cama e procurei na internet e recordei-me da poesia inteirinha.Estou muito contente, qualquer hora vou declama-la sem que me peçam. Obrigada.Muita gente nunca ouviu.

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  2. Muito obrigado pelo seu comentário e pela sua emoção. Também sou professor e coloquei neste meu Blog todos os textos que já me emocionaram e fazem as pessoas felizes. (Nilo da Silva Moraes)

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  3. Amei minha profissão antes de conhecê-la.Amei meus alunos e muito fui feliz porque fui recompensado, não pelo Estado, mas pelo próprio Aluno.

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  4. Prof. Roberval, tive, como professor, os mesmos sentimentos que o senhor sentiu. O sucesso dos aluno é, também, o nosso sucesso profissional.

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  5. Tbm a tenho guardada em minha memória. Declamei- a uma unica vez, já no ginasial. Mas é muito forte, ficou entranhada. Há mais de 40 anos... Obrigada, pela bela lembrança!

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  6. Esse cara aí era meu bisavô. Morreu jovem. A minha bisavó sustentou os filhos com a venda da cartilha que escrevia, Corações de criança

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  7. Vou dazer uma apresentação em mi ha sala se pedagogia, desse poema que minha saudosa irmã Nilza de Assis sempre declamava.

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  8. Tbem recitei essa poesia, nos meus 6 anos na escola Quinzinho de Barros, Sorocaba, muito linda, lembrança maravilhosa marcou demais,

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    1. E eu, também como um velho professor, sinto a mesma emoção ao ler esse conhecido poema.

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    1. Esse texto é uma singela homenagem a todos os velhos professores deste país, que honram a sua profissão.

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  11. Minha mãe nos declama essa poesia desde crianças, e hoje com 80 anos e problemas de memória, eu perguntei a ela se lembrava ainda do Velho Mestre e ela disse claro que sim... até gravei a vozinha dela...

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  12. Amiga Carla, guarde bem essa gravação de sua avozinha, ela será uma bela recordação de um pessoa querida da família.

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    1. Ah Sim, com certeza, estamos fazendo até um diário das lembranças dela. É muito triste perder a memória, e pra ela ver que as lembranças antigas permanecem, é uma vitória. Ela ainda recita poesias maiores ainda que essa, desde os anos 50.

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  13. Recitei esta poesia nos anos 60, sendo vencedora de um concurso. Desde então procurava por ela, e aqui está! Resgatei um dia feliz da minha vida! Gratidão!

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  14. Arquive-a e guarde as palavras desse poema no seu coração.

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  15. Eu Adenir B Zaratin chorei emocionada. Declamei esta maravilhosa Poesia qdo tinha 11 anos na Escola e fu aplaududa de pé....Hoje estou com 70 anos.Gratidão meu Deus.

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  16. Amiga Adenir, entendo perfeitamente a tua emoção, o texto arrepia tanto alunos como professores.

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  17. Lindo e emocionante poema!

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