(Nova velha história)
Quem não conhece a história de
Chapeuzinho Vermelho?
Inspirado nesse conto fantástico,
com uma linguagem toda sua,
Guimarães Rosa presenteou-nos com
a história da menina Fita-Verde.
Havia uma aldeia em algum lugar,
nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que
esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos com juízo,
suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia,
saiu de lá, com uma fita verde inventada no cabelo.
Sua mãe mandara-a, com um cesto
e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia.
Fita-Verde partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha
um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar framboesas.
Daí, que, indo, no atravessar o
bosque, viu só lenhadores, que por lá lenhavam; mas lobo nenhum, desconhecido
nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então, ela, mesma, era
quem se dizia: – “Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me
mandou.” A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a
gente pensa que vê, e das horas, que gente não vê que não são.
E ela mesma resolveu escolher
tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás
de suas asas ligeiras, sua sombra também vindo-lhe correndo, em pós.
Divertia-se com ver a avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas
nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as
plebeiínhas flores, princesinhas e incomuns, quanto a gente tanto por elas
passa. Vinha sobejadamente.
Demorou, para dar com a avó em
casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu:
– “Quem é?”
– “Sou eu...” – e Fita-Verde descansou a voz. – “Sou
sua linda netinha, com cesto e pote, com a fita verde no cabelo, que a mamãe me
mandou.”
Vai, a avó, difícil disse: – “Puxa
o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus te abençoe.”
Fita-Verde assim fez, e entrou e
olhou.
A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falara agagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: – “Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo.”
A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falara agagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: – “Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo.”
Mas agora Fita-Verde se
espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita
verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela
perguntou:
– Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que
mãos tão trementes!”
– “É porque não vou nunca mais te abraçar, minha
neta...” – a vó murmurou.
– “Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados!”
– “É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha
neta...” – a avó suspirou.
– “Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse
rosto encovado, pálido?”
– “É porque já não te estou vendo, nunca mais, minha
netinha...” - a avó ainda gemeu.
Fita-Verde mais se assustou,
como se fosse ter juízo pela primeira vez.
Gritou: – “Vovozinha, eu tenho medo do
Lobo!”
Mas a avó não estava mais lá,
sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.
(Do livro “Ave, palavra”, de João
Guimarães Rosa
Editora Nova Fronteira)
Editora Nova Fronteira)
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