segunda-feira, 31 de março de 2014

Fita verde no cabelo

(Nova velha história)

Quem não conhece a história de Chapeuzinho Vermelho?
Inspirado nesse conto fantástico, com uma linguagem toda sua,
Guimarães Rosa presenteou-nos com a história da menina Fita-Verde.


Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita verde inventada no cabelo.

Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita-Verde partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar framboesas.

Daí, que, indo, no atravessar o bosque, viu só lenhadores, que por lá lenhavam; mas lobo nenhum, desconhecido nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então, ela, mesma, era quem se dizia:  “Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou.” A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que gente não vê que não são.

E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vindo-lhe correndo, em pós. Divertia-se com ver a avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebeiínhas flores, princesinhas e incomuns, quanto a gente tanto por elas passa. Vinha sobejadamente.

Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu:

 “Quem é?”

 “Sou eu...” – e Fita-Verde descansou a voz. – “Sou sua linda netinha, com cesto e pote, com a fita verde no cabelo, que a mamãe me mandou.”

Vai, a avó, difícil disse:  “Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus te abençoe.”

Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou.

A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falara agagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo:  “Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo.”

Mas agora Fita-Verde se espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou:

 Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes!”

 “É porque não vou nunca mais te abraçar, minha neta...” – a vó murmurou.

 “Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados!”

 “É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta...” – a avó suspirou.

 “Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?”

 “É porque já não te estou vendo, nunca mais, minha netinha...” - a avó ainda gemeu.

Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.

Gritou:  “Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!”

Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.

(Do livro “Ave, palavra”, de João Guimarães Rosa
Editora Nova Fronteira)


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