domingo, 31 de julho de 2016

Uma mulher brasileira à antiga

Dia a dia*

Vera Clotilde Garcia Carneiro


O relógio despertara. Seis horas.
Paulinho chorando.
Levanto às pressas, chamo os dois mais velhos para o colégio. Corro para a cozinha, e enquanto esquento a mamadeira do Paulinho, chamo a empregada que dorme. Ligo o ferro para passar uma camisa para o Paulo que acabou de me dizer que precisava sair com a camisa social branca de listrinhas.
Paulinho continua chorando. A mamadeira aqueceu demais. Tem que esfriar.
Naná acordou. Quer os chinelos para ir ao banheiro fazer xixi. Grito para o Paulo atendê-la. Ele está tomando banho. Não ouve.
Maria levantou-se. Está aprontando o café. Deus conserve Maria.
Os dois maiores estão atrasados. A Kombi buzina. Dou-lhes um beijo apressado, alcanço a merenda pronta de véspera e corro para o faminto Paulinho.
Naná chora. Fez xixi na cama porque não achou os chinelos.
Dou a mamadeira para o Paulinho.
Dou os chinelos para Naná.
Dou a camisa para Paulo.
Eu, por minha vez, ganho um beijo apressado. Ele não vem almoçar.
Banho em Naná, banho em Paulinho.
Visto-os.
Entrego a casa virada para Maria e corro com dois ao supermercado, lavanderia, sapateiro e farmácia.
Às dez horas paro na pracinha. Os dois precisam de sol.
Às onze, de novo em casa. Trocar de roupa, almoçar, sesta.
Estico as pernas no sofá. A Kombi buzina.
Chegaram os colegiais. Novidades. Almoçamos. Ajudo-os nos temas. Aparto as brigas e acho as chuteiras. Hora do futebol.
Paulinho chorando. Fome.
Lembro-me que preciso ir ao laboratório hoje, sem falta.
Após as papinhas e fraldas da tarde, deixo-os com Maria e rumo ao laboratório. Ainda bem que tudo é perto e não preciso usar ônibus muito seguido.
Ao voltar, começo a catar peças de uniforme dos jogadores na porta. Alcanço as toalhas para os dois que estão no banho.
Já é noite, Paulinho chora de fome. Naná cabeceia de sono e Maria queimou o feijão do meio-dia.
Paulo chega cansado. Pergunta pelo resultado do exame.
Eu estou entre o choro e o riso.
O novo nenê chega em dezembro.

(Almanaque do Correio do Povo de 1981)

*Dia a dia de antigamente: 

1. Empregada doméstica que dormia no emprego;
2. Mulher que não trabalhava fora;
3. O marido era o único provedor,
4. Família com 4 filhos e esperando mais um.

Hoje:

As empregadas são diaristas, poucos podem contar com esses serviços;
As mulheres competem com os maridos;
Familias menores com filhos planejados.


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