domingo, 28 de janeiro de 2018

“A Batalha de Porto Alegre”



Getúlio Vargas no Palácio do Catete

A Revolução de 1930 foi uma armação mineira que contou com a participação da Paraíba e o comando dos gaúchos. Os paulistas, até hoje, guardam algum ressentimento por termos acabado com a hegemonia deles na política nacional. Passados 80 anos* da Revolução de 1930, a mídia nacional ignorou o fato por razões que a razão desconhece. Felizmente, três escritores gaúchos resolveram revirar nosso passado mais glorioso: o imortal Moacyr Scliar, com o romance “Eu Vos Abraço, Milhões” (Companhia das Letras), eu mesmo, mortalzinho da silva, com “1930: Águas da Revolução” (Record) e Sinval Medina, com “A Batalha de Porto Alegre” (Martins Livreiro). Maravilha.

Sinval Medina, romancista premiado, produziu o que chamou de “reportagem histórica”. Um belo livro sobre o 3 de outubro de 1930 em Porto Alegre. O texto é límpido, elegante e fluente. A história aparece humanizada e muito real. O autor pesquisou a bibliografia e a imprensa da época. Bebeu também no que lhe foi contado em outros tempos por seu pai, Sinval Coutinho Medina, um ourives que viveu o “inesquecível 3 de outubro”. Assim se faz a história, remexendo nos arquivos e no baú das nossas melhores memórias. Sinval Medina vive há décadas em São Paulo. Sabe que os paulistas comemoram o 9 de julho, data da Contrarrevolução de 1932, com entusiasmo. Nesse sentido, se parecem com os gaúchos, embora em grau menor, que também festejam uma revolução perdida. Não importa. A questão ainda é: por que não comemoramos o 3 de outubro?

Há excelentes passagens literárias em “A Batalha de Porto Alegre”: “Para chegar à ponte da Azenha e prosseguir no rumo de casa, o jovem Sinval Medina precisava atravessar a Rua Venâncio Aires, pela qual tropas da Brigada Militar avançavam contra a Companhia de Estabelecimentos. Os tiros disparados pelos defensores do quartel varriam a rua. Agachado junto às portas cerradas do Cine Avenida, pensou em voltar à administração da Carta Geral, onde certamente ficaria em segurança. Mas e os pais, em casa, esperando por ele? Precisava seguir em frente. Respirou fundo, posicionou-se com o joelho esquerdo flexionado e a perna direita para trás, como numa largada de cem metros rasos, respirou fundo e partiu. A corrida o levou até a esquina da Rua Lobo da Costa, onde uma vez mais foi obrigado a parar devido ao tiroteio". Que belo encontro entre memória e história!

Outra passagem comovente é esta: “Por volta das cinco da tarde, o aprendiz de ourives Sinval Medina ainda circulava entre a multidão que se comprimia na Praça da Alfândega. Sentimentos contraditórios o dominavam. Sentia que algo muito sério estava para acontecer. Queria ver como aquilo tudo terminaria. De outro lado, pensava no sofrimento que causaria à mãe - era filho único - se não estivesse com ela no momento do estouro da Revolução”. A narrativa do retorno do rapaz, a pé, para casa, situada entre a Azenha e o Menino Deus, dá o tempero do livro. Aquele 3 de outubro mudou Porto Alegre. E o Brasil. Nunca se apagou do imaginário dos Medina. O pai legou ao filho uma herança de valor incomensurável: suas lembranças.

Juremir Machado da Silva:
juremir@correiodopovo.com.br




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