Ponte de mão dupla
Pouco antes da Primeira Guerra
Mundial, um estudante gaúcho, mais tarde pai de político de projeção nacional,
passava temporada no Rio.
Apesar de praticamente sem dinheiro,
encomendou vários ternos caríssimos no Fernandes, o melhor alfaiate da cidade.
O preço era quinhentos mil réis, dos quais, de sinal, deu cinquenta. Marcou-se
determinada manhã para a entrega das roupas.
Na véspera, o rapaz, primeiramente,
gastou o último dinheiro comprando passagem no navio que voltava ao sul na
tarde do dia seguinte. Depois procurou seu
Joaquim, um português que tinha uma pastelaria defronte à alfaiataria,
encomendando-lhe quatrocentos e cinquenta docinhos, também para a tarde
seguinte.
Na manhã do recebimento dos trajes, o
jovem disse ao alfaiate que o saldo do dinheiro, quatrocentos e cinquenta mil
réis, seria pago pelo Joaquim, da padaria em frente, o qual lhe devia essa
exata quantia. Na presença de Fernandes, para confirmar, chamou o português,
desde a porta da alfaiataria, e, quando ele assomou do outro lado, gritou-lhe:
− Ô, Joaquim! Aquele quatrocentos e
cinquenta, que você me deve para hoje à tarde, você entrega aqui para o seu Fernandes, certo?
− Certo! –
respondeu o padeiro...
*****
Outra de português
Outra
de português, também verídica, contada pelo saudoso Huet Bacellar à roda de
amigos, no Restaurante Ghilosso, que ficava defronte à Praça da Alfândega.
Um ex-funcionário do seu Joaquim
entrou com reclamatória trabalhista, dizendo que, ao ser demitido, não recebera
do ex-patrão qualquer de seus direitos, a começar pelo salário.
Durante a audiência, o juiz propôs a
conciliação de praxe; mas o português, que denotava uma certa impaciência, não
quis, alegando nada dever, ao mesmo tempo que apresentava, assinados pelo
reclamante, um pedido de demissão e um recibo de quitação plena.
O magistrado perguntou se o empregado
realmente assinara aqueles documentos. O outro respondeu que a assinatura era
realmente parecida com a sua, porém reafirmou não ter recebido qualquer
pagamento. Lembrou também que, ao ser admitido, assinara dois papéis em branco. Se aquelas
assinaturas eram suas, então o seu
Joaquim preenchera-os posteriormente.
O português, ao ser interpelado pelo
Juiz, deu um sorriso enigmático, pôs os dedos polegares no colete, jogou lentamente
o corpo para trás, cutucando de leve, com o cotovelo, o braço de seu advogado –
a quem dirigia olhar maroto – e respondeu, triunfante e desafiador, ao mesmo
tempo que apontava para o ex-empregado, com um movimento de queixo:
− Fazeire,
eu fiz, sim senhoire. Agora, eu quero
ver é ele provaire...
de Renato Maciel de
Sá Junior)
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