sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Duas histórias verídicas

Ponte de mão dupla


Pouco antes da Primeira Guerra Mundial, um estudante gaúcho, mais tarde pai de político de projeção nacional, passava temporada no Rio.

Apesar de praticamente sem dinheiro, encomendou vários ternos caríssimos no Fernandes, o melhor alfaiate da cidade. O preço era quinhentos mil réis, dos quais, de sinal, deu cinquenta. Marcou-se determinada manhã para a entrega das roupas.

Na véspera, o rapaz, primeiramente, gastou o último dinheiro comprando passagem no navio que voltava ao sul na tarde do dia seguinte. Depois procurou seu Joaquim, um português que tinha uma pastelaria defronte à alfaiataria, encomendando-lhe quatrocentos e cinquenta docinhos, também para a tarde seguinte.

Na manhã do recebimento dos trajes, o jovem disse ao alfaiate que o saldo do dinheiro, quatrocentos e cinquenta mil réis, seria pago pelo Joaquim, da padaria em frente, o qual lhe devia essa exata quantia. Na presença de Fernandes, para confirmar, chamou o português, desde a porta da alfaiataria, e, quando ele assomou do outro lado, gritou-lhe:

− Ô, Joaquim! Aquele quatrocentos e cinquenta, que você me deve para hoje à tarde, você entrega aqui para o seu Fernandes, certo?

− Certo! – respondeu o padeiro...

*****

Outra de português


Outra de português, também verídica, contada pelo saudoso Huet Bacellar à roda de amigos, no Restaurante Ghilosso, que ficava defronte à Praça da Alfândega.

Um ex-funcionário do seu Joaquim entrou com reclamatória trabalhista, dizendo que, ao ser demitido, não recebera do ex-patrão qualquer de seus direitos, a começar pelo salário.

Durante a audiência, o juiz propôs a conciliação de praxe; mas o português, que denotava uma certa impaciência, não quis, alegando nada dever, ao mesmo tempo que apresentava, assinados pelo reclamante, um pedido de demissão e um recibo de quitação plena.

O magistrado perguntou se o empregado realmente assinara aqueles documentos. O outro respondeu que a assinatura era realmente parecida com a sua, porém reafirmou não ter recebido qualquer pagamento. Lembrou também que, ao ser admitido, assinara dois papéis em branco. Se aquelas assinaturas eram suas, então o seu Joaquim preenchera-os posteriormente.

O português, ao ser interpelado pelo Juiz, deu um sorriso enigmático, pôs os dedos polegares no colete, jogou lentamente o corpo para trás, cutucando de leve, com o cotovelo, o braço de seu advogado – a quem dirigia olhar maroto – e respondeu, triunfante e desafiador, ao mesmo tempo que apontava para o ex-empregado, com um movimento de queixo:

Fazeire, eu fiz, sim senhoire. Agora, eu quero ver é ele provaire...

 (Textos do livro “Anedotário da Rua da Praia 1”,
de Renato Maciel de Sá Junior)


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