A água se acabava
Leonardo Motta
Botão de rosa entreaberto, naquela
idade que Bernardim Ribeiro cantou, “menina e moça”, a Chiquinha era nas
redondezas serranas de Campo Grande a mais linda promessa de mulher bonita, a
mais perigosa ameaça para os corações adolescentes do que se faziam homens. Seu
pai, o velho Galdino Silva, antevia os cuidados que a filha lhe havia de dar e,
às vezes, quando a sós, com a esposa, dizia:
− Biluca, minha velha, se prepare que
nós temos de amargar com a Chiquinha... Esta menina, esta menina!
A mãe, envaidecida, achava era graça
em tais apreensões.
Na noite de São João, houve um
“arrasta-pés” na casa de Galdino. As danças iam muito animadas, quando a
Chiquinha sentiu súbita indisposição: dois ou três cálices de licor de
tangerina lhe tinham subido à cabeça. Desculpando-se de não poder dançar aquela
“figurada”, ela tratou de ir repousar um pouco. Na alcova, cuja porta aberta
dava para o corredor que levava à sala de jantar, estirou-se a fio comprido
numa rede. Mas, naquele estado de torpor e quase inconsciência, não cuidou de
ajeitar as saias curtas, resultando disso ficar meio desnuda. Um rapaz viu-a
assim e saiu bisbilhoteiramente a avisar os companheiros. Daí a pouco, sob
pretexto da procura de água na sala de jantar, havia intenso trânsito no
corredor... O velho Galdino observou a coisa e acabou descobrindo a razão de
tanta sede. Mas não deu nenhum escândalo. Chamou a mulher e ordenou-lhe
calmamente:
− Biluca, vá dizer à Chiquinha que se
deite direito, senão esta rapaziada me seca os potes...
*****
Lua de mel
O senhor Vespasiano de Carvalho,
honrado comerciante desta praça, convolou núpcias com uma jovem de origem
humilde e naturalmente acanhada. Logo depois do casamento, resolveu realizar a
viagem de núpcias, dirigindo-se para o Sul do país, onde pretendia aproveitar a
deixa para visitar alguns fregueses, que não conhecia pessoalmente, mas apenas
por correspondência. Assim, o jovem casal deu grandes passeios pelas principais
praças do Brasil meridional.
− Ó, meu amor! Não imaginas o desejo
que tenho de voltar a estar à vontade em casa.
− Eu também, minha querida! – suspira
Vespasiano, muito apaixonado.
− Por quê? Também tu estás com os
sapatos apertados?
*****
Últimas vontades
O homenzinho estava nas últimas. Não foi,
porém, necessário explicar-lhe a gravidade de seu caso. Ele mesmo compreendeu
tudo, com grande resignação, e, por isso, momentos antes de exalar o derradeiro
suspiro, chamou com muita meiguice a esposa para perto de sua cabeceira, a fim
de lhe transmitir as suas últimas vontades.
− Eu quero, minha querida, que três
meses depois da minha morte te cases com Palimércio Menezes.
− Mas, Carlos! – exclamou ela meio soluçante,
meio surpreendida – eu julgava que tinhas ódio dessa pessoa...
− Por isso mesmo... – confirmou
gravemente o enfermo.
E expirou.
(Do Almanhaque do
Barão de Itararé, de 1955)
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