domingo, 22 de abril de 2018

Pequenas Histórias Brasileiras

A água se acabava

Leonardo Motta


Botão de rosa entreaberto, naquela idade que Bernardim Ribeiro cantou, “menina e moça”, a Chiquinha era nas redondezas serranas de Campo Grande a mais linda promessa de mulher bonita, a mais perigosa ameaça para os corações adolescentes do que se faziam homens. Seu pai, o velho Galdino Silva, antevia os cuidados que a filha lhe havia de dar e, às vezes, quando a sós, com a esposa, dizia:

− Biluca, minha velha, se prepare que nós temos de amargar com a Chiquinha... Esta menina, esta menina!

A mãe, envaidecida, achava era graça em tais apreensões.

Na noite de São João, houve um “arrasta-pés” na casa de Galdino. As danças iam muito animadas, quando a Chiquinha sentiu súbita indisposição: dois ou três cálices de licor de tangerina lhe tinham subido à cabeça. Desculpando-se de não poder dançar aquela “figurada”, ela tratou de ir repousar um pouco. Na alcova, cuja porta aberta dava para o corredor que levava à sala de jantar, estirou-se a fio comprido numa rede. Mas, naquele estado de torpor e quase inconsciência, não cuidou de ajeitar as saias curtas, resultando disso ficar meio desnuda. Um rapaz viu-a assim e saiu bisbilhoteiramente a avisar os companheiros. Daí a pouco, sob pretexto da procura de água na sala de jantar, havia intenso trânsito no corredor... O velho Galdino observou a coisa e acabou descobrindo a razão de tanta sede. Mas não deu nenhum escândalo. Chamou a mulher e ordenou-lhe calmamente:

− Biluca, vá dizer à Chiquinha que se deite direito, senão esta rapaziada me seca os potes...

*****

Lua de mel

O senhor Vespasiano de Carvalho, honrado comerciante desta praça, convolou núpcias com uma jovem de origem humilde e naturalmente acanhada. Logo depois do casamento, resolveu realizar a viagem de núpcias, dirigindo-se para o Sul do país, onde pretendia aproveitar a deixa para visitar alguns fregueses, que não conhecia pessoalmente, mas apenas por correspondência. Assim, o jovem casal deu grandes passeios pelas principais praças do Brasil meridional.

− Ó, meu amor! Não imaginas o desejo que tenho de voltar a estar à vontade em casa.

− Eu também, minha querida! – suspira Vespasiano, muito apaixonado.

− Por quê? Também tu estás com os sapatos apertados?

*****

Últimas vontades

O homenzinho estava nas últimas. Não foi, porém, necessário explicar-lhe a gravidade de seu caso. Ele mesmo compreendeu tudo, com grande resignação, e, por isso, momentos antes de exalar o derradeiro suspiro, chamou com muita meiguice a esposa para perto de sua cabeceira, a fim de lhe transmitir as suas últimas vontades.

− Eu quero, minha querida, que três meses depois da minha morte te cases com Palimércio Menezes.

− Mas, Carlos! – exclamou ela meio soluçante, meio surpreendida – eu julgava que tinhas ódio dessa pessoa...

− Por isso mesmo... – confirmou gravemente o enfermo.

E expirou.

(Do Almanhaque do Barão de Itararé, de 1955)

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