terça-feira, 20 de maio de 2014

Bontzye, o Silencioso

Isaac Loeb Peretz

(Excerto)


Aqui, neste mundo, a morte de Bontzye, o Silencioso, não causou impressão alguma. Pergunte a quem quiser quem era o Bontzye, que vida levava e de que morreu; se foi de um colapso cardíaco, se lhe faltaram forças, ou se quebrou o espinhaço sob alguma carga pesada. Ninguém saberá dizer. Talvez, no fim de contas, tenha morrido de fome.

Se uma besta de carga tivesse caído morta no meio da rua, teria despertado mais interesse. Apareceriam notícias nos jornais, centenas de curiosos correriam para ver a carcaça do animal e examinar o local do desastre...

Bontzye viveu no silêncio e no silêncio morreu. Passou através do nosso mundo como uma sombra. No dia da sua circuncisão ninguém derramou vinho, ninguém quebrou copos. Também, quando confirmado, não houve discursos. Viveu como vive o grão de areia na praia do mar, entre milhões da sua espécie. E quando o vento o levantou jogando-o para o outro lado do mar, ninguém deu por isso. Quando ele vivia, a lama da rua não guardava impressão alguma das suas pegadas; depois que morreu, o vento derrubou a tabuleta que marcava o túmulo onde fora enterrado. A mulher do coveiro foi encontrá-la muito longe do lugar e utilizou-a para fazer fogo, no qual ferveu uma panelada de batatas. Passados três dias, mesmo o coveiro não mais se lembrava onde o sepultara.

Uma sombra! As suas feições não ficaram gravadas na memória de pessoa alguma, nem no coração dos seus semelhantes; dele não restou vestígio algum.

Sem herança nem parentes, viveu; sozinho viveu e sozinho morreu.

Se o mundo tivesse menos que fazer, talvez alguém notasse que Bontzye (que também era um ente humano) andava com o olhar amortecido e as faces encovadas; que mesmo sem carga nas costas a sua cabeça pendia para a terra como se ainda em vida, andasse em busca do túmulo. Quando levaram Bontzye para o hospital, o canto dele no porão logo encontrou outro inquilino - eram dez como ele que esperavam, e entre si puseram a coisa em leilão. Quando o levaram do hospital para o necrotério, eram vinte os doentes que aguardavam o seu leito. Quando saiu do necrotério, deram entrada vinte cadáveres vindos de uma construção que desabara. Quem sabe quanto tempo ficará descansando na sepultura? Quem sabe quantos estarão esperando por aquele cantinho de terra?

Se ele tivesse tido, ao menos, um túmulo de pedra, é possível que daqui a um século qualquer arqueólogo o encontrasse e, assim, o nome de Bontzye, o Silencioso, seria ouvido mais uma vez no mundo.

Um nascimento silencioso, uma vida silenciosa, uma morte silenciosa e um enterro ainda mais silencioso. Mas no outro mundo não foi assim. Ali a morte de Bontzye causou grande sensação.

O  troar da grande trombeta Messiânica ecoou através dos sete céus: Bontzye, o Silencioso, havia deixado a terra! Os anjos maiores, com as mais largas asas, esvoaçavam e contavam uns aos outros: Bontzye, o Silencioso, vem ocupar a sua cadeira na Academia Celestial!

No Paraíso houve algazarra e tumultos de alegria: Bontzye, o Silencioso! Imaginem só!

Anjinhos infantis, com olhos resplandecentes, asas de filigrana de ouro e chinelinhos de prata, correram jubilosos ao seu encontro.

O zumbir das asas, o ratatá dos chinelinhos e as risadas das boquinhas rosadas enchiam todos os céus, chegando até ao Trono da Glória, de maneira que Deus logo soube da chegada de Bontzye, o Silencioso. Nosso pai Abraão estava de pé no portal, com a mão direita estendida em calorosa saudação, e um doce sorriso iluminava-lhe o semblante patriarcal.

Que será que vem rodando através dos céus? Dois anjos estão arrastando uma cadeira de ouro do Paraíso, para Bontzye, o Silencioso. Que foi que reluziu com tanto brilho? Levavam uma coroa incrustada de pedras preciosas, tudo para Bontzye, o Silencioso.

- O que é isso? indagavam os santos, com uma pontinha de ciúmes, mesmo antes de ser dada a decisão do Tribunal Celestial?

- Oh! - respondiam os anjos - isso será apenas uma formalidade. Mesmo o promotor não dirá uma só palavra contra Bontzye, o Silencioso. Todo o processo não levará cinco minutos! Imaginem só! Bontzye, o Silencioso! 


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