terça-feira, 20 de maio de 2014

Histórias jurídicas II



Isso sim é que é um laudo!

Em Garanhuns, cidade no interior de Pernambuco, o delegado registrava a queixa de uma moça que se dizia deflorada pelo namorado. Na ausência de médico na cidade, pediu um laudo, por escrito, a uma parteira afamada da região para anexar ao processo.

Eis o laudo proferido pela profissional:

“Eu, Maria Francisca da Conceição, parteira oficial do destrito de Jenipapo, declaro para o bem do meu ofício que, examinando os baixos fudeutórios de Maria das Mercedes, constatei manchas arrôxicadas na altura da críca, que, para mim, ou foi supapo de rola ou solavanco de picaÉ verdade e dou fé.”

Ânimus litigantis

Desajeitado, o magistrado Dr. Juílson tentava equilibrar em suas mãos a cuia, a térmica, um pacotinho de biscoitos e uma pasta de documentos. Com toda esta tralha, dirigir-se-ia para seu gabinete, mas, ao dar meia volta, deparou-se com sua esposa, a advogada Dra. Themis, que já o observava há sabe-se lá quantos minutos. O susto foi tal que cuia, erva e documentos foram ao chão. O juiz franziu o cenho e estava pronto para praguejar, quando observou que a testa da mulher era ainda mais franzida que a sua.

Por se tratarem de dois juristas experientes, não é estranho que o diálogo litigioso que se instaurou obedecesse aos mais altos padrões de erudição processual.

– Juílson! Eu não aguento mais essa tua inércia. Eu estou carente, carente de ação, entendes?

– Carente de ação? Ora, tu sabes muito bem que, para sair da inércia, o Juízo precisa ser provocado e tu não me provocas há anos. Já eu, dificilmente, inicio um processo sem que haja contestação.

– Claro, tu preferias que o processo corresse à revelia. Mas não adianta, tem que haver o exame das preliminares, antes de entrar no mérito. E mais, contigo o rito é sempre sumaríssimo, isso quando a lide não fica pendente... Daí é que a execução fica frustrada.

– Calma aí, agora tu estás apelando. Eu já disse que não quero acordar o apenso, no quarto ao lado. Já é muito difícil colocá-lo para dormir. Quanto ao rito sumaríssimo, é que eu prezo a economia processual e detesto a morosidade. Além disso, às vezes até uma cautelar pode ser satisfativa.

– Sim, mas para isso é preciso que se usem alguns recursos especiais. Teus recursos são sempre desertos, por absoluta ausência de preparo.

– Ah, mas quando eu tento manejar o recurso extraordinário tu sempre negas seguimento. Falas dos meus recursos, mas impugnas todas as minhas tentativas de inovação processual. Isso quando não embargas a execução.

Mas existia um fundo de verdade nos argumentos da Dra. Themis. E o Dr. Juílson só se recusava a aceitar a culpa exclusiva pela crise do relacionamento. Por isso, complementou:

– Acho que o pedido procede, em parte, pois pelo que vejo existem culpas concorrentes. Já que ambos somos sucumbentes vamos nos dar por reciprocamente quitados e compor amigavelmente o litígio.

– Não posso. Agora existem terceiros interessados. E já houve a preclusão consumativa.

- Meu Deus! Mas de minha parte não havia sequer suspeição!

– Sim. Há muito que sua cognição não é exauriente. Aliás, nossa relação está extinta. Só vim pegar o apenso em carga e fazer remessa para a casa da minha mãe.

E, ao ver a mulher bater a porta atrás de si, Dr. Juílson fica tentando compreender tudo o que havia acontecido. Após deliberar por alguns minutos, chegou a uma triste conclusão:

– E eu é que vou ter que pagar as custas...


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