A tristeza de Olavo Bilac
Olavo Bilac sai cemitério ao lado de Coelho Neto, em 20 de julho de 1915. São amigos há décadas. Trabalhavam juntos, as horas livres
− Bilac, o que está ocupando tanto
seus pensamentos? Nunca o vi assim antes!
O poeta murmura algo sobre a finitude,
mas desfia a teia de vaidades da Academia Brasileira de Letras, dos saraus
literários, da vida cultural naquela que, um século depois, é considerada a belle époque tropical. Por fim,
constata:
− O problema não é a Academia. Somos
nós, os homens de letras. Não vê o que acaba de acontecer? O Gilberto Amado
matou o Annibal com um tiro pelas costas e por quê? Porque não somos capazes de
perdoar ao adversário um erro de gramática, a má colocação de um pronome, a
falta de uma crase ou um verso de pé quebrado.
Sopapos a 100%
O filólogo português Antônio Cândido
de Figueiredo (1846-1925) e o escritor e filólogo brasileiro Heráclito Graça
(1837-1914) quase trocaram sopapos por causa da grafia de uma palavra:
“percentagem” ou “porcentagem”? O luso defendia a primeira; o brasileiro, não.
− Homessa! –
exclamava um
− Co´os
diabos! – obtemperava outro.
(Eles usavam
expressões como essas e palavras como “obtemperar”.)
Por que jornais e revistas preferem
“porcentagem”, embora vários dicionários registrem “percentagem”?
Eles também registram “porcentagem”.
A expressão latina per centum está na
raiz de “percentagem”. Era o que argumentava Figueiredo e, dizia ele, não me
venhas de borzeguins ao leito. Alguns sábios preferem essa forma, pela razão
latina. Heráclito Graça dizia que a preposição latina per tomou a forma de “por” em português, e ninguém diria “per
cento”. Então, perguntava, por que dizer “percentagem”?
− É porcentagem e acabou-se tudo.
Figueiredo sorria-se e redarguia (boa
palavra da época):
− Então por que não rediges nem
locutas “porfilhar”, “porante” e “pormeio”, ó pá?
Discussão tão proveitosa para o mundo
murchou em 1943, quando a Vocabulário
Ortográfico da Língua Portuguesa, da ABL, oficializou as duas formas,
registrando “percentagem”, “percentagista”, “percentil”, “percentilagem” e
“percentual”. E “porcentagem”, “porcentual” e o substantivo “porcento”.
O desaforo da “contradição
O crítico Sylvio
Romero (1851-1914) e seu conterrâneo, o gramático sergipano Laudelino Freire
(1873-1937), trocaram ferroadas em 1911. Freire dedicou estudo às contradições
de Romero. Em Minhas Contradições ,
Romero revidou, dizendo que o autor do Grande
e Novíssimo Dicionário da Língua
Portuguesa, cinco volumes, desconhecia a palavra “contradição”. E despejou
uma cascata de insultos, como “reles criticarolho”, “burregote”, “alma de
lesma”. Só o chamava de “Lomelino Freitas”.
Freire afirmava que era contradição, por
exemplo, Romero chamar a lógica de “arte e ciência”. O outro reagiu em versos:
Em ser lógica – ciência
E ser – arte, oh!
Asneirão
Haverá qualquer tolice
Haverá contradição?!
Freire, em As Suas Contradições , explodiu:
− Ao invés de indignação, tenho, pelo
contrário, dó e piedade de olhar a ruvinhosa carcaça desse velho energúmeno,
que vive a desrespeitar-se a si mesmo, antes que o faça a outrem, finando sua
existência na ebulição do resíduo alcoólico, do despeito e da inveja.
O haver da discórdia
O professor de português do
tradicional Colégio Pedro II, Carlos de Laet (1847-1927) não era de recusar
polêmica. Quando o português Camilo Castelo Branco (1825-1890), na antologia Cancioneiro Alegre, diminuiu os méritos
do romântico Fagundes Varela, foi o franco-atirador Laet que saiu em defesa do
poeta morto quatro anos antes.
Camilo apontara, com ironia, erros de
sintaxe “Varela escrevera num prefácio “haviam
brisas e passarinhos...”). Bastou para Laet escavar solecismos do autor de Amor de Perdição. Na Revista Brasileira,
atirou em Camilo um erro no próprio Cancioneiro:
“falenas a esvoaçarem-se nos
andá-açus”, quando o verbo “esvoaçar” não é reflexivo.
Camilo respondeu, nos fascículos de Ecos Humorísticos do Minho, com apoio em
clássicos, que “esvoaçarem-se” era aceitável e atacou os brasileiros:
− Se me quiserem obsequiar dum modo
mais significativo e proveitoso, mandem-me um papagaio, uma cutia e alguns
frascos de pitanga. Quanto à linguagem, muito obrigado, mas não se incomodem.
Laet rebateu, fichando outro escorrega
do romancista luso, numa de suas traduções, O
Romance de um Rapaz Pobre: “Houveram
coisas terríveis...” Porretada do mestre do Pedro II.
− O senhor Castelo Branco quer que
lhe mande uma cutia, pois tome a este “houveram” que também é bicho bravio, e
veja se o aclima em São
Miguel de Seide.
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