terça-feira, 27 de maio de 2014

Um duelo mortal



Onofre Pires, meu possível tataravô, brigou com Bento Gonçalves, seu primo, por causa da morte de Paulino da Fontoura, vice-presidente da República, signatário de um manifesto polêmico contra Bento. Resumo essa turbulenta história, por demais conhecida, em “História Regional da Infâmia, o Destino dos Negros Farrapos e Outras Iniquidades Brasileiras”: Indignado, Onofre Pires mandou rezar missa pela alma do assassinado. Nos convites para o ato religioso, sem a menor vontade de negar a realidade, tratou de provocar os inimigos internos: '”Faz amanhã sete dias que deixou de existir neste vale de lágrimas o vice-presidente Antônio Paulo da Fontoura, vítima do crime que o roubou à pátria, aos seus parentes, aos seus amigos e aos seus concidadãos'”. Toda Alegrete sabia das desavenças dos farroupilhas e do ódio votado por alguns ao ferino e loquaz Paulino da Fontoura.

Em carta de 26 de fevereiro de 1844, Bento Gonçalves, que teria sido chamado novamente de ladrão por Onofre Pires, tirou satisfações com seu primo: “Havendo chegado ao meu conhecimento que, em princípios do corrente mês, em presença de vários indivíduos do Exército, quando vinha em marca V. Sª. avançara proposições ofensivas à minha honra, e ousara até chamar-me de ladrão (...) sufocando, repito aquele com que em todos os tempos busquei o desagravo da minha honra, recorri aos meios legais, únicos exequíveis nas presentes circunstâncias; como, porém, a sua posição de deputado o põe a coberto desse meio, e deva eu em tal caso lançar mão do que me resta como homem de honra, quisera que, com a honra que dá esse caráter a um homem na posição de V. Sª, houvesse de me dizer com urgência, por escrito, se é verdadeiro ou falso o que a respeito me informaram. Deixo de fazer qualquer outra reflexão a respeito porque V. Sª as deve perfeitamente compreender”. Era uma intimação.

Onofre Pires respondeu com pompa e violência: “Ladrão da fortuna, ladrão da vida, ladrão da honra e ladrão da liberdade, é o brado ingente que contra vós levanta a nação rio-grandense, ao qual já sabeis que, junto à minha convicção, não pela geral execração de que sois credor, o que lamento, mas sim pelos documentos justificativos que conservo. Não deveis, pois, o Sr. general pôr em dúvida a conversa que a respeito tive e da qual vos informou tão prontamente esse correio tão vosso... Deixai de afligir-vos por haverdes esgotado os meios legais em desafronta dessa honra, como dizeis; minha posição não tolhe que façais a escolha do mais conveniente para o que sempre me encontrareis. Fica assim contestada a vossa carta de ontem”. O duelo foi marcado.

Bento Gonçalves ganhou a parada. Em carta a Domingos José de Almeida, de 9 de março de 1844, justificou-se alegando que defendera a sua honra e que Onofre fora usado pelos seus inimigos, os quais, quando o tiro saíra pela culatra, teriam escondido o rabo e deixado o infeliz morrer abandonado. Segundo Bento, seus adversários haviam imaginado opor um gigante a um pigmeu. Assim, apesar de lamentar a sorte do morto, garantia “não ter o menor remorso” e declarava-se pronto a repetir o ato, alheio ao tamanho ou à reputação de quem o insultasse. Foi isso.

Juremir Machado da Silva

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