Eu quero voltar para a casa onde
nasci, o ranchinho perdido no tempo e no esquecimento. Rever os matos onde a
passarada orquestrava sinfonias ao amanhecer e quando o sol descambava no
poente. Quero voltar, mas não consigo, não tenho mais forças para caminhar e
minha memória já não me ajuda. Queria voltar para rever os amigos de outrora,
jogar bola aos domingos, nós, toda a gurizada, a correr pela estrada de terra.
Voltar da escola com a pasta de couro à meia espalda. Quero voltar para abraçar
meus colegas uma vez mais. Aqui onde estou, tudo se escoa depressa demais, o
tempo passa ligeiro demais, os amigos vão embora rápido demais. Os carros, os
ônibus, os trens, tudo é tão passageiro e fugaz. Meu Deus, quero voltar para casa!
Quero voltar para sentir, outra vez,
o cheiro bom saindo das panelas de ferro cozinhando o feijão preto e o fervido
de ovelha. Ver minha mãe, com suas mãos enrugadas, seus olhos gateados
sorrindo, de avental, ao redor do fogão. Depois, no terreiro, chamando os
pintos: pipipipiiiii... Quero ouvir os sons perdidos da infância, porque meus
ouvidos estão cansados de apitos de fábricas, de roncos de motores, de chiados
de ferro, de batidas de martelos e máquinas de construção. Tenho saudade do piar
do barreiro anunciando a chegada do novo dia, dos latidos da cachorrada na
restinga, de sentir na cara o minuano me cortando as faces nas geladas manhãs
da Vila Rica. Do chimarrão, da pipoca, das pandorgas, das bolitas e das
pescarias. Quero voltar para casa, mas não sei mais onde ela está, procuro e
não a vejo, porque se perdeu no deserto que se tornou a minha vida.
Quero voltar para reencontrar meu pai
na mangueira, me ensinando a laçar. Depois, no alpendre, dizendo-me como
respeitar a força que os homens têm. A admirar a sapiência dos velhos e a
deixar no lugar os pertences alheios. Ver o relho atrás da porta, enxergar a
folhinha do Padre Reus pendurada na parede da cozinha, o quadro do Molina na
sala. Quero dar a lavagem para o porco no chiqueiro, alfafa para os cavalos na
estrebaria, dar cana para as leiteiras, passar a rasqueadeira no Tostado e
depois encilhá-lo a capricho. Sentir o cheiro da graxa pingando no fogo de chão
numa linda manhã de domingo. Quero voltar para tomar apojo na mangueira, passar
a mão na cabeça do terneirinho bragado que chorava todas as tardes chamando
pela mãe no piquete.
Eu quero voltar para casa, mas
reconheço que tudo está morto, irremediavelmente perdido. Por quê? Tateio no
escuro, mas nada encontro. Miro a distância e não vejo meu lugar, só um imenso
descampado envolto na neblina. Desesperado e solito, puxo o ar e balbucio num
fiapo de voz: “Eu só quero voltar para casa...”.
Do livro de crônicas
“Campereadas” de Paulo Mendes.
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