quinta-feira, 24 de julho de 2014

Velhos carnavais



Entrudo na Rua do Ouvidor

“Mas, como enfim a sem-vergonhice está no fundo da natureza humana e como não há lodo que não goste de aparecer ao sol, inventou-se o carnaval - três dias libérrimos, setenta e duas horas descaradas em que ficou estabelecido que todos os vícios podem andar à solta, cabriolando na praça pública, de garrafa desarrolhada na mão e perna leve no pincho do can-can.”

(Olavo Bilac – 1890)

“O Carnaval do Rio de Janeiro é realmente uma festa de se assistir, de valer a pena aqui chegar-se de fora, mesmo do estrangeiro, a vê-lo; porque aqui se reservam as surpresas carnavalescas aos próprios dilettanti das amplíssimas e brilhantes feições da alegria humana como se revelam nas festas clássicas do Carnaval italiano.”

(Raul Pompeia – 1892)

“[O carnaval] - velha festa, que está a fazer quarenta anos, se já não os fez. Nasceu um pouco por decreto, para dar cabo do entrudo, costume velho, datado da colônia, e vindo da metrópole. Não pensem os rapazes de 22 anos que o entrudo era alguma cousa semelhante às tentativas de ressurreição, empreendidas com bisnagas. Eram tinas d´água, postas na rua ou nos corredores, dentro das quais metiam à força um cidadão todo - chapéu, dignidades e botas. (...) Davam-se batalhas porfiadas de casa a casa, entre a rua e as janelas, não contando as bacias d´água despejadas à traição.”

(Machado de Assis – 1893)

“Desde sábado não dormia. Era só folia, folia e mais folia. Aconteceu-me o que aconteceria a um automóvel abandonado pelo chofer. Fui esbarrar, sem direção, na doença. Achas feliz a comparação? É minha, inteiramente minha. Os homens são automóveis governados pelos motoristas Conveniência Social a doze quilômetros a hora. De repente o Carnaval atira a Conveniência no chão, toma o guidão e toca a cento e vinte a hora. Quando desaparece, com velocidade adquirida, os automóveis vão por aí perdidos e ou estraçalham-se ou precisam de conserto. Eu estou na garage.”

(Paulo Barreto, o João do Rio, - 1916)

“Finalmente foi nesse Carnaval histórico de 1917 que vi as Noites, as Holandesas, as Alsacianas, as Tirolesas, as Fadas, as Castelãs, as Pierrettes, as Colombinas, as Flores (todas) que dançavam decorosamente nas salas do Clube Belo Horizonte. A presença dos apaches e das gigoletes mereceu repulsa geral das senhoras que fiscalizavam a festa sentadas e cochichando punhalando atrás dos leques. Até quando eles entraram no salão, o maestroAriggo Buzzachi, que dirigia a orquestra (querendo se mostrar conhecedor de Paris e das danças de seu bas-fond), ensaiou ao piano as notas de um java (mi-fá-mi-mi-ré-ré-dó-ré-mi-dó). Mas logo o doutor Penido, que era da diretoria do clube, correu indignado e fez parar a valsa indecente. Ah! também lá isso é que não...”

(Pedro Nava, Memórias 3 – Chão de Ferro)

“O Carnaval é hoje a festa mais estúpida do Brasil. Nunca se amontoaram tantos fatos para fazê-la assim. Nem no tempo do entrudo, ela podia ser tão idiota como é hoje. O que se canta e que se faz são os suprassumo da mais profunda miséria mental. Blocos, ranchos, grupos, cordões disputam-se indigências intelectual e entram na folia sem nenhum frescor musical. São guinchos de símios e coaxar de rãs, acompanhados de uma barulheira de instrumentos chineses e africanos.”

(Lima Barreto – 1922)

“O paulista é um tipo reconhecidamente triste. Sobretudo nos momentos de alegria. Dá até raiva. O que os jornais chamam de regozijo popular é nesta terra a cousa mais fúnebre que se pode imaginar. Nem se pode imaginar. O Carnaval é uma prova. O paulista sai à rua para brigar. Brigar porque buliram com as filhas dele. Porque levou uma serpentina no coco. Ou uma bisnagada no olho. Ou um pisão no pé.”

(Antônio de Alcântara Machado – 1927)

“Sábado de Carnaval. Muita gente no Largo da Concórdia [no bairro paulistano do Brás] noturno e circunspecto. (...) O italianinho sujo veio da Argentina e aos ímpetos de Nápoles já prefere cantar seu tango com sotaque de gringo. (...) No chorinho de três mulatos, violão, gaita e ganzá, os mais corajosos principiam dançando, homem com homem porque as pretas se recusam a dançar na rua. Na maioria é português com português, se pisando.”

(Mário de Andrade – 1932)

   Por Roberto Pompeu de Toledo – Veja – fevereiro de 2013


Corso na Avenida Rio Branco, Rio de Janeiro





2 comentários:

  1. Que artefato linguístico foi usado nessa matéria, pode considera-la um texto?

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    1. Na última página da revista Veja, eventualmente, Roberto Pompeu de Toledo escreve as suas crônicas. Nesta, ele coloca vários depoimentos históricos, contra e favor do Carnaval. Com isso, ele quer mostrar os vários julgamentos de intelectuais a respeito da nossa festa mais grandiosa.

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