Era assim. Louvado seja Allah! Era
assim que Amid, o velho oleiro de Samarcanda, fazia todos os dias.
Terminada a tarefa, ao cair da tarde,
examinava atentamente, um por um, os vasos que o jovem Namedin, seu dileto
discípulo, havia modelado. Orgulhava-se com o progresso daquele adolescente na
difícil e delicada arte da cerâmica. Revelava o principiante, na execução das
obras mais finas e delicadas, invulgar talento.
Havia, entretanto, uma particularidade
que fazia surgir uma dúvida no espírito do mestre. Todos os dias, dentre os
vasos impecáveis, esguios e bem torneados, repontava, fabricada pelas mãos
ágeis desse mesmo discípulo, uma peça (e somente uma!) lamentavelmente
malfeita, torta e deformada. Como explicar a presença daquele aleijão único no
meio de tantas perfeições e belezas? Seria decorrente de uma falha insanável ou
não passaria tudo de um simples capricho do aprendiz?
Amid, intrigado com o caso, resolveu
que iria, a todo custo, desvendar o mistério: decidiu observar o trabalho do
aprendiz, a fim de precisar o momento em que ele tropeçava e errava.
Com isso em mente, um certo dia, de
manhã até a quarta prece, o mestre acompanhou atento o trabalho do jovem: para
ele, era preciso descobrir a razão de ser do vaso torto...
Afinal, o
velho oleiro, sempre vigilante, viu satisfeita a sua curiosidade.
Todos os dias, a uma certa hora,
graciosa menina que residia para além da mesquita Chan-Sindah, cruzava vagarosamente
a rua. Namedin apaixonara-se por ela; e, por isso, ao vê-la passar, sentia-se
confuso, perturbado.
Ali estava, afinal, a explicação do
mistério. Quando o vulto sedutor da namorada surgia, o aprendiz
desorientava-se; suas mãos tremiam e o vaso que se achava, naquele momento, na
roda gigante, sob os cuidados de seus ágeis dedos, sofria as consequências
daquela desatenção.
Como poderia o enfeitiçado oleiro,
naquele instante de comoção, guiar com segurança os seus dedos, dominar os voos
do seu pensamento e aquietar os anseios do seu coração?
Rejubilou-se o mestre oleiro de
Samarcanda com a descoberta e, a partir daquele dia, com mais carinho e
interesse dedicou-se à nobre tarefa de orientar o discípulo querido. Ao amor,
sim, e não à imperícia do artista, deveria ele incriminar o aparecimento do
vaso defeituoso. E que importava, afinal, a mutilação de uma peça no meio das
outras? A mulher amada, com sua presença perturbadora, fazia surgir uma peça
defeituosa; mas, com sua ausência, inspirava dezenas de perfeições.
Ao ter notícia do caso, um poeta
árabe, servo de Allah, escreveu três ou quatro poemas admiráveis que foram
gravados em ouro e bronze no deslumbrante palácio de Tamerlão. O terceiro poema
‒ lembro-me até hoje, muito bem! ‒ começava exatamente assim:
Ao ver aquele vaso torto
Entre outros de forma esguia.
Penso no destino, absorto:
‒ A mão do oleiro tremia!...
Louvado
seja Allah, que criou a Poesia, a Beleza e o Amor!
(Conto extraído do livro "Minha Vida
Querida",
do escritor brasileiro Malba Tahan)
do escritor brasileiro Malba Tahan)
Até a imperfeição tem explicação quando causada pelo AMOR.
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