domingo, 11 de dezembro de 2016

Fórmula gasogênica

Livro traz a história da primeira prova para carros
 movidos a gasogênio.

Por: Ricardo Chaves


O Ford 50 do piloto Norberto Jung, na primeira prova
para carros movidos a gasogênio, em 1943
Foto: Reprodução / Calendário Metal Leve 2003

Durante os anos da II Guerra Mundial (1939-1945), foram inúmeras as dificuldades para a manutenção da normalidade cotidiana. Mesmo distantes do confronto, os brasileiros sentiram as mudanças e, claro, o automobilismo sofreu as consequências enfrentando a falta de combustível que, praticamente, inviabilizou o esporte. No início dos anos 1940, o Brasil precisou entrar na economia de guerra e muitos dos produtos estratégicos foram restringidos. Toda a gasolina importada era, prioritariamente, oferecida para manter o funcionamento mínimo do país em áreas essenciais do transporte, da segurança e da saúde.

Em abril de 1942, o governo federal determinou o racionamento de combustíveis. Entretanto, a criatividade serviu para reativar uma antiga tecnologia: o gasogênio. Embora ele apresentasse dificuldades técnicas e um rendimento inferior para o funcionamento do motor, representou uma solução, principalmente para o uso de automóveis por particulares. O equipamento proporcionou às empresas manterem as suas atividades e não fecharem as portas nos momentos mais críticos da economia. A Ribeiro Jung garantia a instalação do aparelho em "apenas" oito dias de serviço, demonstrando readequação às condições de mercado, uma vez que a produção de veículos estava suspensa e as vendas limitadas ao reduzido estoque da concessionária. Nessa época, a Ford parou de produzir seus veículos, uma vez que suas linhas de montagem haviam sido requisitadas pelas autoridades militares dos Estados Unidos para a fabricação de aviões e tanques de guerra. Aqui, a empresa gaúcha se dedicou apenas à manutenção da frota já existente e à transformação da fonte de combustível dos veículos.

O racionamento obrigou os motoristas a adaptarem seus carros a um combustível utilizado como quebra-galho, o gasogênio (gás obtido por meio da queima de carvão). Para isso, montava-se um equipamento em cima do porta-malas. Assim, a Ribeiro Jung conseguiu se manter em operação por cinco longos anos da década de 1940, até a guerra acabar. Essa alternativa possibilitou, também, a retomada das competições automobilísticas no Estado.

A primeira prova foi realizada em 18 de julho de 1943, e o regulamento exigiu automóveis de passeio com aparelho de gasogênio fabricado no Rio Grande do Sul. Criticado e desprezado, o “trambolho movido a gás pobre”, oriundo da queima de carvão ou lenha, substituiu, com muitos méritos, a gasolina. Para organizar e fomentar a produção, foi criada a Comissão Estadual do Gasogênio, que encontrou no automobilismo um amplo campo, não apenas para testes, mas também para provar à população a viabilidade e o desempenho do novo combustível. Dessa forma, com o apoio do Touring Club e do extinto jornal Folha da Tarde, foi organizada a primeira corrida para carros movidos a gasogênio, no Circuito do Cristal.



Propaganda que anuncia a adaptação ao combustível alternativo
Foto: Reprodução / Cem anos do automóvel, 1986.

Após as 9h, foi autorizada a largada para os 28 participantes. A corrida teve 15 voltas no Circuito do Cristal, totalizando 225 quilômetros pelas ruas da Capital. Catharino Andreatta registrou a média de pouco mais de "incríveis" 76 km/h e finalizou na primeira colocação, com o tempo de 2h56min58s. O gasogênio que equipou o seu Ford era da marca Rimoli.

Mesmo que bastante modestos em relação ao desempenho obtido usando gasolina tradicional, os resultados alcançados foram significativos em termos de demonstração de confiabilidade e de eficiência do gasogênio. Andreatta contou com uma equipe bem ajustada no box. Os mecânicos Valentim Morais e Avelino André Gandani cumpriram o reabastecimento do gerador em todo o complexo procedimento em apenas trinta e sete segundos.


Fonte: trecho adaptado do inédito livro “Norberto Jung: Ás do automobilismo”, de autoria do historiador Stephanos Demetriou.

(Do Almanaque Gaúcho de Zero Hora)



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