Nem tanto ao
céu nem tanto à terra.
Apenas Agrippino Grieco
Por Wladyr Nader*
Foto histórica da capa da
primeira edição do livro “Gralhas & Pavões”, lançado em 1988 pela Editora
Record, feita durante almoço oferecido a Agrippino Grieco. Ele é o terceiro,
sentado, da esquerda para a direita. Os
demais, acima e de pé, são: Jaime de Altavilla, Romeu de Avelar, Jorge de Lima
e Osman Loureiro. Sentados, no mesmo sentido: Pontes de Miranda, Vinicio da
Veiga, o já mencionado Agripino e Theo Filho.
Pode-se dizer quase tudo a
respeito de Agripino Grieco (ex-Agrippino Grieco, pois seus dois pês já eram,
como praticamente os da grande maioria dos demais, especialmente os já mortos),
nascido em Paraíba do Sul (RJ) em 1888 e morto no Rio de Janeiro em 1973, menos
que houvesse sido avesso a polêmica, coisa rara atualmente na literatura
brasileira. Crítico atuante, sobretudo, e autor de diversos volumes,
ressurgiria nas livrarias em 1988, com um inédito, “Gralhas & pavões”,
organizado por seu filho Donatello Grieco, que em “nota preliminar”
justificava:
“Ao morrer, em 1973, Agrippino Grieco deixou
milhares de apontamentos, Originais heterogêneos: desde a adolescência, usava
qualquer tipo de papel, branco ou pardo, fino ou grosso, até mesmo envelopes
que abria, cédulas eleitorais, convites para casamentos ou conferências, quando
não páginas em branco de livros que recebia e julgava indignos de ocupar espaço
em sua biblioteca.
Esses apontamentos, muitas vezes
minúsculas tiras de papel, prosseguia Donatello, “ele os recolhia em caixas de
sapatos. São anotações do quotidiano, observações da vida, epigramas,
comentários sobre livros, escritores, pintores, páginas de crítica.
Gralhas & pavões: Agrippino
anunciou um livro com esse título em seus Caçadores de símbolos, de 1923, mas nunca
publicou volume assim intitulado. Julgamo-lo adequado a esta coletânea, a que
se seguirão dois outros volumes do mesmo tipo, Retalhos e Outros retalhos.
A variedade de temas e de
conceitos mostra um Agrippino muito vivo e muito atual no seu espírito e na sua
crítica”, completava Donatello Grieco sua “nota preliminar”.
Estender-me mais nesta introdução
pode levar eventuais leitores a desistir de conhecer o volume então lançado
pela Record. De qualquer maneira, aqui vai ainda uma opinião de José Lins do
Rego sobre Agripino, registrada numa de suas orelhas:
“Ao lado do Grieco furioso, há o
Grieco idílico das recordações da infância, o outro lado do carrasco, a alma
lírica que se comove com as flores e os pássaros. Para o Grieco que reduz falsos
grandes homens a manipansos, há aquele que sabe de cor o Paraíso de Dante, o
tradutor de Francisco de Assis, aquele que ama os poetas e teme a Deus.”
Mãos à obra, então, para recordar
algumas das atiladas observações e as preciosidades, de vários tipos, de
Agripino, muitas vezes reduzidas a uma dúzia de palavras cheias de humor e
sabedoria. Finalmente: no livro, é bom que se lembre, inexiste ordem alfabética
por assuntos, reunidos despreocupadamente por Donatello Grieco. Divirta-se,
caro leitor, cara leitora.
Plágio
“Os caminhos da literatura sempre estiveram cheios de
perigosos salteadores.”
“Não condenar ninguém por plágio.
A fazê-lo, teríamos que repudiar muitas glórias, das maiores da literatura lida
no Brasil: Anatole, D´Annunzio, Eça, Junqueiro, tantas vezes apanhados com as
mãos na algibeira do próximo. E dos nossos talvez fossem levados a um tribunal
severo Gregório de Matos, Magalhães, Varela, Castro Alves, Bilac, Vicente da
Carvalho... E quem seria o juiz, quais seriam os jurados, certo como é que
nenhum de nós está de todo isento de culpa?”
“Ruminava frases pastando em livros alheios.”
Justiça, Juristas,
Juízes
“A zona imprecisa, uma espécie de
território neutro entre a probidade e a improbidade, que permite um jogo de
ambiguidades e sofismas aos advogados espertos, graças à má redação das leis
que levam até uns tantos juízes de altas cortes, em decidindo sobre o mesmo
caso, a votarem a favor, enquanto outros votam contra. De tudo resultando,
paradoxalmente, permanecerem os magistrados num ambiente de respeitabilidade,
enquanto os causídicos não inspiram grande confiança a ninguém. Haja vista a
frase latina referente a santo Ivo, canonizado por não ser ladrão, apesar de
sua ação na advocacia.”
“Eu não tenho balança de justiça.
Tenho amores e rancores. Tudo em mim é gratidão e vingança.”
Juventude e Velhice
“A perfeição não é própria da mocidade, mas ser moço vale
mais que ser perfeito.”
“Mocidade pede mocidade. Velho é para cadáver. Cultuar a
velhice é ensaio de velório.”
“Se nós, velhos, ainda nada fazemos de perfeito, por que
exigi-lo dos jovens?”
Médicos
“O doutor tratava de velhas
desenganadas, que morriam logo. As contas eram levadas ao inventário.
Apelidaram o médico de ‘doutor Três Rios’: rio das Velhas, rio das Mortes, rio
das Contas.”
“Médico, por não ter um só cliente, suicidou-se. Tinha que
matar alguém.”
Religião, padres
“Da religião continuo a gostar do
que gostava em menino, das procissões, dos cânticos do coro, das velhotas que
rezam de cabeça baixa. O garoto persiste no enrugado octogenário.”
“Só houve um cristão: Cristo.”
Vulcões
“Não confiem em vulcões extintos.”
Talento
“A burrice é contagiosa, o talento não.”
“Seu talento não o sobrecarrega demais.”
“Não deu a receita de seu talento a ninguém.”
Anatole France
Anatole France foi uma desilusão
para os anatolianos do Rio. Cacetíssimo, leu umas coisas sobre Rabelais, talvez
preparadas pelo seu secretário Brousson, e as leu mal, atrapalhado com os
nasóculos. Que logro! Onde o ironista que fora tantos anos patrono dos
ironistas daqui? Aquela voz fortemente nasalada gotejava tédio sobre o
auditório.”
Ademar de Barros
“Esse político queria estabelecer
o acordo entre os brasileiros, quando não era capaz de estabelecer o acordo do
sujeito com o predicado numa oração.”
Aurélio Buarque de
Holanda
“Bom dicionarista. Mas uma coisa é conhecer bem os vocábulos
e outra é saber juntá-los.”
Concursos literários
“A burla dos concursos
literários: ao fim de alguns dias os julgadores sabem quais são todos os
concorrentes.”
Sexo
“Os invertidos Wilde e Proust como que reuniam a argúcia
feminina à força máscula do talento.”
“Em matéria de mulher foi um eterno jejuador.”
“Gosta das conjunções copulativas, mas só nas orações
invertidas.”
“Tudo já foi tentado em luxúria. Ninguém inventa
um novo vício, e a própria ‘sensação nova’ com que o primo Basílio mimoseou a ingênua Luisinha era
mais velha que Os Lusíadas ou o colosso de Rodes.”
Gostos
“Gosto do rio Paraíba do Sul, de
mulher alta e torta, Mozart, feijão com arroz e torresmos, chapéu velho,
recolher mexericos, mineiros... em Minas Gerais , circo de cavalinhos, manga, sinos
de igreja durante o dia e apitos de trem à noite. Não gosto de cenoura, festa
cívica, ouvir e ler trabalhos inéditos...”
“Só gosto de boêmios, prefiro o
botequim ao palácio. Catulo dizia que só me via perto de pobres-diabos, de
boêmios bêbados como o Lima Barreto e o Coelho Cavalcanti.”
Itália e Italianos
“Sempre italianos os patifes dos romances ingleses.”
“Houve quem contasse sete mil revoluções na história da
Itália.”
Camilo Castelo Branco
“Todos os romances de Camilo se
parecem: amor infeliz, convento, um brasileiro rico, sujeitos glutões a
contarem anedotas escabichando os dentes podres, meio desbraguilhados, uma
viela do Porto. Só a linguagem é maravilha permanente.”
Clubes
“Associação de ventres e não de cérebros.”
Pensadores
“Diziam-no pensador porque vivia sempre com a cabeça apoiada
à mão, nuns ares pensativos.”
Livros, Livrarias,
Livreiros
(a primeira sobre
Livrarias)
“Negociam em poemas e romances como negociariam em legumes e
conservas.”
“Ler um livro pela segunda vez é como desposar uma viúva.”
“Duplo ladrão, furtava ideias nos livros que furtava nas
livrarias.”
“A obra é ilustrada. O autor, não.”
“Nunca houve livro que não melhorasse se reduzido à metade.”
“Depois do Ateneu e do Dom Casmurro não é permitido a
ninguém escrever mal no Brasil.”
Romance e Romancistas
“Prefiro romance policial a Joyce, dramalhão a Ibsen.”
“Um romancista à Alexandre Dumas
contaria a história do Brasil bem melhor que muitos desses historiadores
cacetes.”
“É no romance um mestre de obras, querendo parecer
arquiteto.”
Cabelos
“Grande presença de cabelos, absoluta ausência de ideias.”
Tipos
“Sempre devotou ódio de morte a uma sisuda senhora chamada
Gramática.”
Meio-termo
“Meus exageros no louvor ou no ataque: falta-me o
meio-termo.
*Wladir Nader é
professor de jornalismo na PUC. Possui graduação em Direito pela Universidade
de São Paulo (1961). Atualmente é auxiliar de ensino da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Tem experiência na área de comunicação, com ênfase em
organização editorial de jornais, revistas e internet, trabalhando
principalmente com literatura, cinema e política. É autor de contos, novela e
romances, publicados entre 68 e 2009.
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