domingo, 21 de maio de 2017

Mais Agrippino Grieco


Nem tanto ao céu nem tanto à terra. 
Apenas Agrippino Grieco

Por Wladyr Nader*


Foto histórica da capa da primeira edição do livro “Gralhas & Pavões”, lançado em 1988 pela Editora Record, feita durante almoço oferecido a Agrippino Grieco. Ele é o terceiro, sentado, da esquerda para a direita.  Os demais, acima e de pé, são: Jaime de Altavilla, Romeu de Avelar, Jorge de Lima e Osman Loureiro. Sentados, no mesmo sentido: Pontes de Miranda, Vinicio da Veiga, o já mencionado Agripino e Theo Filho.

Pode-se dizer quase tudo a respeito de Agripino Grieco (ex-Agrippino Grieco, pois seus dois pês já eram, como praticamente os da grande maioria dos demais, especialmente os já mortos), nascido em Paraíba do Sul (RJ) em 1888 e morto no Rio de Janeiro em 1973, menos que houvesse sido avesso a polêmica, coisa rara atualmente na literatura brasileira. Crítico atuante, sobretudo, e autor de diversos volumes, ressurgiria nas livrarias em 1988, com um inédito, “Gralhas & pavões”, organizado por seu filho Donatello Grieco, que em “nota preliminar” justificava:

“Ao morrer, em 1973, Agrippino Grieco deixou milhares de apontamentos, Originais heterogêneos: desde a adolescência, usava qualquer tipo de papel, branco ou pardo, fino ou grosso, até mesmo envelopes que abria, cédulas eleitorais, convites para casamentos ou conferências, quando não páginas em branco de livros que recebia e julgava indignos de ocupar espaço em sua biblioteca.

Esses apontamentos, muitas vezes minúsculas tiras de papel, prosseguia Donatello, “ele os recolhia em caixas de sapatos. São anotações do quotidiano, observações da vida, epigramas, comentários sobre livros, escritores, pintores, páginas de crítica.

Gralhas & pavões: Agrippino anunciou um livro com esse título em seus Caçadores de símbolos, de 1923, mas nunca publicou volume assim intitulado. Julgamo-lo adequado a esta coletânea, a que se seguirão dois outros volumes do mesmo tipo, Retalhos e Outros retalhos.

A variedade de temas e de conceitos mostra um Agrippino muito vivo e muito atual no seu espírito e na sua crítica”, completava Donatello Grieco sua “nota preliminar”.

Estender-me mais nesta introdução pode levar eventuais leitores a desistir de conhecer o volume então lançado pela Record. De qualquer maneira, aqui vai ainda uma opinião de José Lins do Rego sobre Agripino, registrada numa de suas orelhas:

“Ao lado do Grieco furioso, há o Grieco idílico das recordações da infância, o outro lado do carrasco, a alma lírica que se comove com as flores e os pássaros. Para o Grieco que reduz falsos grandes homens a manipansos, há aquele que sabe de cor o Paraíso de Dante, o tradutor de Francisco de Assis, aquele que ama os poetas e teme a Deus.”

Mãos à obra, então, para recordar algumas das atiladas observações e as preciosidades, de vários tipos, de Agripino, muitas vezes reduzidas a uma dúzia de palavras cheias de humor e sabedoria. Finalmente: no livro, é bom que se lembre, inexiste ordem alfabética por assuntos, reunidos despreocupadamente por Donatello Grieco. Divirta-se, caro leitor, cara leitora.

Plágio

“Os caminhos da literatura sempre estiveram cheios de perigosos salteadores.”

“Não condenar ninguém por plágio. A fazê-lo, teríamos que repudiar muitas glórias, das maiores da literatura lida no Brasil: Anatole, D´Annunzio, Eça, Junqueiro, tantas vezes apanhados com as mãos na algibeira do próximo. E dos nossos talvez fossem levados a um tribunal severo Gregório de Matos, Magalhães, Varela, Castro Alves, Bilac, Vicente da Carvalho... E quem seria o juiz, quais seriam os jurados, certo como é que nenhum de nós está de todo isento de culpa?”

“Ruminava frases pastando em livros alheios.”

Justiça, Juristas, Juízes

“A zona imprecisa, uma espécie de território neutro entre a probidade e a improbidade, que permite um jogo de ambiguidades e sofismas aos advogados espertos, graças à má redação das leis que levam até uns tantos juízes de altas cortes, em decidindo sobre o mesmo caso, a votarem a favor, enquanto outros votam contra. De tudo resultando, paradoxalmente, permanecerem os magistrados num ambiente de respeitabilidade, enquanto os causídicos não inspiram grande confiança a ninguém. Haja vista a frase latina referente a santo Ivo, canonizado por não ser ladrão, apesar de sua ação na advocacia.”

“Eu não tenho balança de justiça. Tenho amores e rancores. Tudo em mim é gratidão e vingança.”

Juventude e Velhice

“A perfeição não é própria da mocidade, mas ser moço vale mais que ser perfeito.”

“Mocidade pede mocidade. Velho é para cadáver. Cultuar a velhice é ensaio de velório.”

“Se nós, velhos, ainda nada fazemos de perfeito, por que exigi-lo dos jovens?”

Médicos

“O doutor tratava de velhas desenganadas, que morriam logo. As contas eram levadas ao inventário. Apelidaram o médico de ‘doutor Três Rios’: rio das Velhas, rio das Mortes, rio das Contas.”

“Médico, por não ter um só cliente, suicidou-se. Tinha que matar alguém.”

Religião, padres

“Da religião continuo a gostar do que gostava em menino, das procissões, dos cânticos do coro, das velhotas que rezam de cabeça baixa. O garoto persiste no enrugado octogenário.”

“Só houve um cristão: Cristo.”

Vulcões

“Não confiem em vulcões extintos.”

Talento

“A burrice é contagiosa, o talento não.”

“Seu talento não o sobrecarrega demais.”

“Não deu a receita de seu talento a ninguém.”

Anatole France

Anatole France foi uma desilusão para os anatolianos do Rio. Cacetíssimo, leu umas coisas sobre Rabelais, talvez preparadas pelo seu secretário Brousson, e as leu mal, atrapalhado com os nasóculos. Que logro! Onde o ironista que fora tantos anos patrono dos ironistas daqui? Aquela voz fortemente nasalada gotejava tédio sobre o auditório.”

Ademar de Barros

“Esse político queria estabelecer o acordo entre os brasileiros, quando não era capaz de estabelecer o acordo do sujeito com o predicado numa oração.”

Aurélio Buarque de Holanda

“Bom dicionarista. Mas uma coisa é conhecer bem os vocábulos e outra é saber juntá-los.”

Concursos literários

“A burla dos concursos literários: ao fim de alguns dias os julgadores sabem quais são todos os concorrentes.”

Sexo

“Os invertidos Wilde e Proust como que reuniam a argúcia feminina à força máscula do talento.”

“Em matéria de mulher foi um eterno jejuador.”

“Gosta das conjunções copulativas, mas só nas orações invertidas.”

“Tudo já foi tentado em luxúria. Ninguém inventa um novo vício, e a própria ‘sensação nova’ com que o  primo Basílio mimoseou a ingênua Luisinha era mais velha que Os Lusíadas ou o colosso de Rodes.”

Gostos

“Gosto do rio Paraíba do Sul, de mulher alta e torta, Mozart, feijão com arroz e torresmos, chapéu velho, recolher mexericos, mineiros... em Minas Gerais, circo de cavalinhos, manga, sinos de igreja durante o dia e apitos de trem à noite. Não gosto de cenoura, festa cívica, ouvir e ler trabalhos inéditos...”

“Só gosto de boêmios, prefiro o botequim ao palácio. Catulo dizia que só me via perto de pobres-diabos, de boêmios bêbados como o Lima Barreto e o Coelho Cavalcanti.”

Itália e Italianos

“Sempre italianos os patifes dos romances ingleses.”

“Houve quem contasse sete mil revoluções na história da Itália.”

Camilo Castelo Branco

“Todos os romances de Camilo se parecem: amor infeliz, convento, um brasileiro rico, sujeitos glutões a contarem anedotas escabichando os dentes podres, meio desbraguilhados, uma viela do Porto. Só a linguagem é maravilha permanente.”

Clubes

“Associação de ventres e não de cérebros.”

Pensadores

“Diziam-no pensador porque vivia sempre com a cabeça apoiada à mão, nuns ares pensativos.”

Livros, Livrarias, Livreiros
(a primeira sobre Livrarias)

“Negociam em poemas e romances como negociariam em legumes e conservas.”

“Ler um livro pela segunda vez é como desposar uma viúva.”

“Duplo ladrão, furtava ideias nos livros que furtava nas livrarias.”

“A obra é ilustrada. O autor, não.”

“Nunca houve livro que não melhorasse se reduzido à metade.”

“Depois do Ateneu e do Dom Casmurro não é permitido a ninguém escrever mal no Brasil.”

Romance e Romancistas

“Prefiro romance policial a Joyce, dramalhão a Ibsen.”

“Um romancista à Alexandre Dumas contaria a história do Brasil bem melhor que muitos desses historiadores cacetes.”

“É no romance um mestre de obras, querendo parecer arquiteto.”

Cabelos

“Grande presença de cabelos, absoluta ausência de ideias.”

Tipos

“Sempre devotou ódio de morte a uma sisuda senhora chamada Gramática.”

Meio-termo

“Meus exageros no louvor ou no ataque: falta-me o meio-termo. 



*Wladir Nader é professor de jornalismo na PUC. Possui graduação em Direito pela Universidade de São Paulo (1961). Atualmente é auxiliar de ensino da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Tem experiência na área de comunicação, com ênfase em organização editorial de jornais, revistas e internet, trabalhando principalmente com literatura, cinema e política. É autor de contos, novela e romances, publicados entre 68 e 2009.

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