quarta-feira, 3 de maio de 2017

Conversando com Noel Rosa



Noel Rosa por Bertoni

O amor, a vida e a cidade segundo o gênio da Vila.

Texto de Sérgio Cabral (O pai)

(Noel Rosa: 11.12.1910 – 4.5.1937)

Noel Rosa faria 100 anos neste 11 de dezembro de 2010*, razão pela qual tratei de procurá-lo para uma entrevista. Sua reação inicial quase me levou ao desânimo, pois, alegando que tudo que tinha a falar já estava em sua obra, não quis dar entrevista. Não me restou outra saída senão recorrer à fonte que ele mesmo sugeriu: as letras de suas músicas.

*Na verdade o texto é 2007.

Você acha que...

Noel – “... quem acha vive se perdendo.”

Estou querendo saber se você não se considera um machista. Algumas de suas letras são nitidamente machistas.

Noel – “Meu Deus do céu, que palpite infeliz!”

Mas não se pode negar que é contra o trabalho da mulher fora de casa.

Noel – “Todo cargo masculino, desde o grande ao pequenino, hoje em dia é pra mulher.”

Pelo jeito, você está mesmo é com a velha dor-de-cotovelo.

Noel – “Pobre de quem já sofreu neste mundo a dor de um amor profundo.”

Segundo Vinicius de Moraes, ninguém tem nada de bom sem sofrer.

Noel – “Provei do amor todo o amargor que ele tem.”

Até traição?

Noel – “Um amor pra ser traído só depende da vontade.”

Pelo jeito, você sofreu muito.

Noel – “Quem é que já sofreu mais do que eu?”

Mas nunca o vi chorando.

Noel – “Quem é que já me viu chorar? Sofrer foi o prazer que Deus me deu. Eu sei sofrer sem reclamar.”

E daí? Vai cantar o samba de Carlos Cachaça e Cartola Não Quero Mais Amar a Ninguém?

Noel – “Nunca se deve jurar não mais amar a ninguém.”

Será que esse sofrimento tem a ver com a sua feiura, Noel?

Noel – “Eu, nascendo pobre e feio, ia ser triste o meu fim. Mas, crescendo, a bossa veio, Deus teve pena de mim.”

Mudando de assunto, e o nosso Rio de janeiro?

Noel – “Cidade notável, inimitável, maior e mais bela do que outra qualquer.”

Mas você gosta mesmo é do subúrbio.

Noel – “O subúrbio é ambiente de completa liberdade.”

Tem ido à Penha?

Noel – “Não há quem não tenha mais saudades lá da Penha do que eu, juro que não.”

Há quanto tempo você não aparece no bairro?

Noel – “No ano que passou não pude ir à Penha.”

Não vai voltar lá?

Noel – “Tenho vontade de ir à Penha, mas me falta o principal.”

Se não tem o dinheiro da condução, vai a pé.

Noel –“Pra ver a minha santa padroeira, eu vou à Penha de qualquer maneira.”

Em que outros bairros você andou?

Noel – “Na Pavuna tem turma reúna, na Gamboa, gente boa.”

Onde mais?

Noel – “Já saí de Piedade, já mudei de Cascadura.”

Por quê?

Noel “A polícia em toda a zona proibiu a batuca.”

E vai pra onde?

Noel – “Eu vou pra Vila, onde a polícia é camarada.”

Vila Isabel realmente tem tantos bons sambistas?
Noel – “Andando pela batucada, onde vi gente levada foi lá em Vila Isabel.”

Quais são os maiores rivais da Vila?

Noel – Salve Estácio, Salgueiro e Mangueira, Oswaldo Cruz e Matriz, que sempre souberam muito bem que a Vila não quer abafar ninguém. Só quer mostrar que faz samba também.”

O que você diz desse pessoal que não gosta do samba?

Noel – “Falou mal do samba, pisou no meu calo. O samba, a prontidão e outras bossas são nossas coisas, são coisas nossas.”

Você é bem remunerado como compositor?

Noel – “O samba mata a fome.”

Mas nada disso impede que você procure outros meios de sobrevivência.

Noel – “E o que queres tu que eu faça, se o samba é minha cachaça?“

Você se sente infeliz por isso?

Noel – “Não maldigo a minha sorte. Vou agindo com cadência.”

O espaço está acabando e só resta uma pergunta: como é que você está vendo o Brasil atualmente?

Noel – Comparo o meu Brasil a uma criança perdulária, que anda sem vintém, mas tem a mãe que é milionária.”

As falas de Noel Rosa foram tiradas de suas várias composições musicais.




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