Noel Rosa por Bertoni
O amor, a vida e a cidade
segundo o gênio da Vila.
Texto de Sérgio
Cabral (O pai)
(Noel Rosa:
11.12.1910 – 4.5.1937)
Noel Rosa faria 100 anos
neste 11 de dezembro de 2010*, razão pela qual tratei de procurá-lo para uma
entrevista. Sua reação inicial quase me levou ao desânimo, pois, alegando que
tudo que tinha a falar já estava em sua obra, não quis dar entrevista. Não me
restou outra saída senão recorrer à fonte que ele mesmo sugeriu: as letras de
suas músicas.
*Na verdade o texto é 2007.
Você acha que...
Noel – “... quem acha vive se perdendo.”
Estou querendo
saber se você não se considera um machista. Algumas de suas letras são
nitidamente machistas.
Noel – “Meu Deus do céu, que palpite infeliz!”
Mas não se
pode negar que é contra o trabalho da mulher fora de casa.
Noel – “Todo cargo
masculino, desde o grande ao pequenino, hoje em dia é pra mulher.”
Pelo jeito, você está mesmo é com a velha dor-de-cotovelo.
Noel – “Pobre de quem já
sofreu neste mundo a dor de um amor profundo.”
Segundo Vinicius de Moraes,
ninguém tem nada de bom sem sofrer.
Noel – “Provei do amor
todo o amargor que ele tem.”
Até traição?
Noel – “Um amor pra ser
traído só depende da vontade.”
Pelo jeito, você sofreu muito.
Noel – “Quem é que já
sofreu mais do que eu?”
Mas nunca o vi chorando.
Noel – “Quem é que já me
viu chorar? Sofrer foi o prazer que Deus me deu. Eu sei sofrer sem reclamar.”
E daí? Vai cantar o samba de
Carlos Cachaça e Cartola Não Quero Mais Amar a Ninguém?
Noel – “Nunca se deve
jurar não mais amar a ninguém.”
Será que esse sofrimento tem a
ver com a sua
feiura, Noel?
Noel – “Eu, nascendo pobre
e feio, ia ser triste o meu fim. Mas, crescendo, a bossa veio, Deus teve pena
de mim.”
Mudando de assunto, e o nosso Rio
de janeiro?
Noel – “Cidade notável,
inimitável, maior e mais bela do que outra qualquer.”
Mas você gosta mesmo é do
subúrbio.
Noel – “O subúrbio é
ambiente de completa liberdade.”
Tem ido à Penha?
Noel – “Não há quem não
tenha mais saudades lá da Penha do que eu, juro que não.”
Há quanto tempo você não aparece no bairro?
Noel – “No ano que passou não pude ir à Penha.”
Não vai voltar lá?
Noel – “Tenho vontade de
ir à Penha, mas me falta o principal.”
Se não tem o dinheiro da condução, vai a pé.
Noel –“Pra ver a minha
santa padroeira, eu vou à Penha de qualquer maneira.”
Em que outros bairros você andou?
Noel – “Na Pavuna tem
turma reúna, na Gamboa, gente boa.”
Onde mais?
Noel – “Já saí de Piedade,
já mudei de Cascadura.”
Por quê?
Noel ‒ “A polícia em toda a zona proibiu a batuca.”
E vai pra onde?
Noel – “Eu vou pra Vila,
onde a polícia é camarada.”
Vila Isabel realmente tem tantos
bons sambistas?
Noel – “Andando pela
batucada, onde vi gente levada foi lá em Vila Isabel.”
Quais são os maiores rivais da
Vila?
Noel – Salve Estácio,
Salgueiro e Mangueira, Oswaldo Cruz e Matriz, que sempre souberam muito bem que
a Vila não quer abafar ninguém. Só quer mostrar que faz samba também.”
O que você diz desse pessoal que
não gosta do samba?
Noel – “Falou mal do
samba, pisou no meu calo. O samba, a prontidão e outras bossas são nossas
coisas, são coisas nossas.”
Você é bem remunerado como
compositor?
Noel – “O samba mata a
fome.”
Mas nada disso impede que você
procure outros meios de sobrevivência.
Noel – “E o que queres tu
que eu faça, se o samba é minha cachaça?“
Você se sente infeliz por isso?
Noel – “Não maldigo a
minha sorte. Vou agindo com cadência.”
O espaço está acabando e só resta
uma pergunta: como é que você está vendo o Brasil atualmente?
Noel – Comparo o meu Brasil a uma
criança perdulária, que anda sem vintém, mas tem a mãe que é milionária.”
As falas de Noel Rosa
foram tiradas de suas várias composições musicais.
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