sexta-feira, 26 de maio de 2017

O jogo da Baleia Azul



Walcyr Carrasco*

O que dá sentido à vida é acreditar em algo,
ter desejo de conquistar, viver um amor.
Ofereça a seu filho um sonho.

Entrou no prédio, que já conhecia. No elevador, apertou o botão do último andar. Lá, abriu uma porta de serviço, subiu uma escadinha. Chegou ao heliporto. Aproximou-se do beiral. Contemplou a cidade mais uma vez. Olhou para o céu. Respirou fundo. Ergueu os braços marcados por cicatrizes, num gesto de libertação. E se atirou. No corpo destroçado, o símbolo do jogo da Baleia Azul. Tinha apenas 24 anos.

A história, real, foi narrada por uma professora. Em sua classe, a prima do rapaz já ostenta as primeiras cicatrizes nos braços. Acredita-se que o jogo da Baleia Azul tenha sido iniciado na Rússia e de lá se espalhado pelo mundo. No Brasil, é motivo de conversa em rodas de adolescentes. Propõe uma série de tarefas. A final é o suicídio. Como funciona? Convidado pela internet ou por uma rede social, o participante recebe as tarefas de um mentor não identificado. Começa por escrever uma sigla com cortes, na palma da mão, e enviar a foto ao curador. Em seguida, assistir continuamente a filmes de terror, na madrugada. Filmes indicados pelo curador, que fará perguntas sobre as cenas. O estado psicológico já alterado permite a terceira tarefa: cortar o braço com uma lâmina. Três cortes grandes, sobre as veias. Enviar foto. Simbólica, na quarta tarefa o participante desenha, também à lâmina, uma baleia azul no braço. A partir daí as tarefas se sucedem, sempre estimulando a obediência irracional. Em uma delas, o curador pergunta qual é o maior medo da pessoa. Em seguida, dá instruções para enfrentá-lo. Em outra, exige que o participante suba em um telhado de madrugada, o mais alto possível. Cortes nos lábios e automutilações variadas entram na sequência. O encontro com outro jogador do Baleia Azul é organizado pelo curador. Há tarefas secretas, enviadas de acordo com o desempenho do participante. Em certo momento, define-­se o dia da morte.

Há casos no país com indícios muito fortes de ligação com o jogo. Uma garota atirou-se numa represa, em Mato Grosso. Segundo informações que circulam pela internet, 130 jovens morreram na Rússia por causa do jogo. Suicídio é o assunto do momento, não é? Pelo menos desde o sucesso da série 13 reasons why (13 razões por quê), em que uma garota narra os motivos que a levaram a causar a própria morte. Publiquei um comentário no Instagram sobre o Baleia Azul. Duas professoras responderam mencionando casos que conheciam diretamente. Outros comentários demonstravam que as pessoas já sabem do que se trata. A surpresa de muitos é: como os pais não percebem? Imagine que seu filho está se mutilando. Muda o comportamento. Você não vê?

Em muitos casos, realmente não. Pais e mães que trabalham fora muitas vezes têm um contato rápido com os filhos no dia a dia. Estão acostumados com adolescentes que querem ter sua própria vida. Liberdade. Não desconfiam das mangas compridas. Dos filmes estranhos. Nem sabem o que se passa na cabeça deles. Mas é ainda pior. E se pais, professores souberem e tentarem convencer o participante a desistir? É possível? Não é tão simples.

Uma vez que o participante entra no jogo, sua vida é devassada por hackers. Não se engane! São hackers muito bons. Conversei com um ator jovem que pensou em participar, mas não foi adiante.

– Eles ameaçam destruir a família por meio da internet. Sabem tudo sobre o pai, a mãe. Quando alguém entra, tem de ir até o fim.

Imagino que possa ser pior. Será loucura pensar que um participante possa receber a missão de matar outro, dando aparência de suicídio?

É tétrico, tenebroso. A pobre baleia azul tornou-se o símbolo do jogo porque encalha – como a própria baleia faz isso, dá uma aparência de suicídio. Imagino que participar do jogo gera uma relação de pertencimento, essencial para o adolescente. As 50 atividades não só provocam mutilação, mas uma obediência cega. Dão status à ideia de morte, numa fase da vida em que pouco está delineado, angústias são muitas e suicídio pode parecer uma solução. Mas também é sintomático de uma sociedade em crise de valores. De ideais e sonhos. O que dá sentido à vida é acreditar em algo, ter desejo de conquistar, viver um amor. Romeu e Julieta se matam justamente quando o sonho de viver juntos parece ter sido destruído. Se o amor não pode existir, melhor morrer. Você quer evitar que seu filho jogue Baleia Azul? Ofereça a ele um sonho. Um motivo para viver.

É um problema urgente. Neste exato momento, um jovem pode estar entrando num prédio e apertando o botão do elevador para o último andar...

(Revista Época, maio de 2017)



*Walcyr Rodrigues Carrasco (Bernardino de Campos, 1° de dezembro de 1951) é um escritor, dramaturgo e autor de telenovelas brasileiras.

P.S. Essa crônica de Walcyr Carrasco alerta para um grave problema de saúde pública que está afetando muitos jovens em todo mundo e, principalmente, em nosso país. Os pais e educadores devem ficar atentos... todo cuidado é pouco...


Um comentário:

  1. Muito bom texto relatando e alertando a sociedade para um assunto preocupante. Fica o alerta ,vamos prestar mais atenção aos nossos jovens.

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