quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Duas Fábulas de João Bethencourt

Fábula do Publicitário que tinha que bolar uma campanha
 para a liquidação anual das casas Barbosa Freitas.


Era uma vez um publicitário encarregado da missão acima.

Então se deitou e sonhou o seguinte;

“Estava metido numa armadura medieval, pesada, mas mesmo assim, corria que nem um doido pelas ruas da cidade. Furava a massa do povo, metia-se em táxis para andar mais depressa, do táxi passava para o bonde, para o ônibus, para o lotação. Finalmente, achou-se diante de uma torre muito alta, e uma escadaria imensa que levava à torre. Começou a galgar os degraus, pulando de dois em dois. Nisso, o relógio da torre bate o meio-dia e começam a sair aquelas figuras medievais, desfilando embaixo dos ponteiros: passa a Dama, passa o Rei, passa o Duque, passa o Cardeal e o nosso publicitário, que acaba de chegar lá em cima, mal tem tempo de colocar-se na vaga do Cavalheiro, que iria passar em branco se ele não chegasse na hora”.

Nesse momento o publicitário acordou, bolando instantaneamente o “slogan” da campanha.

“SLOGAN”: Todos correm, mas nem todos chegam a tempo de pegar a Grande Liquidação Anual das Casas Barbosa Freitas.

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Os Lobos e Os Coelhos

Viviam os lobos muito aborrecidos por verem que os coelhos eram mais velozes, logrando sempre escapar de suas presas. Procuraram, então, a raposa e disseram:

− Somos lobos e temos fome de coelhos. Contudo, os coelhos correm mais e não sabemos como alcançá-los. Desejamos a tua ajuda e prometemos uma boa recompensa.

A raposa aceitou o encargo, procurou os coelhos e faz-lhes o seguinte discurso:

− O medo é o pior inimigo de todos os seres vivos. Os que têm medo nunca poderão viver tranquilos. Quem vive com medo vive rastejando, vive pela metade, assombrado, acovardado. Vocês têm medo dos lobos, passam a existência fugindo deles. A simples palavra “lobo” desperta em vocês o mais profundo terror. Ora, isto não é viver. Impõe-se destruir, uma vez por todas, essa maldição milenar, esse opróbrio. É preciso revoltar-se contra esse jogo absurdo, contra essa injustiça aviltante. É preciso que vocês se voltem sobre seus próprios rastros, da próxima vez que forem acometidos e que enfrentem seus verdugos; mesmo que alguns pereçam a maioria terá esconjurado essa carga absurda que pesa sobre vocês desde que o mundo é mundo.

Os coelhos, empolgados com a eloquência da raposa, resolveram seguir a sua palavra de ordem. Fizeram pé firme em vez de fugir, ao serem atacados pelos lobos, e foram todos devorados.

(Textos de João Bethencourt, no Pif Paz, nº 6, julho de 1964)


João Estevão Weiner Bethencourt foi um dramaturgo, diretor, ator, tradutor de teatro húngaro, que veio para o Brasil com dez anos de idade, em 1933. Formou-se na Universidade de Yale nos Estados Unidos, onde recebeu o diploma de Mestre em Artes.

Nascimento: 10 de dezembro de 1924, Budapeste, Hungria
Falecimento: 31 de dezembro de 2006, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro
Livros: A Mãe Que Entrou Em Órbita e um romance, Vidas de El Justicero, filmado por Nelson Pereira dos Santos.


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