Publicado em 1984 no jornal
Cometa Itabirano, o poema não consta nas antologias publicadas em livros por
Carlos Drummond de Andrade. O tom premonitório do poema é uma marca do poeta
itabirano que possuía um conjunto de poemas sobre uma Minas Gerais que não
existe mais e que sofria os efeitos da mineração desenfreada.
Lira Itabirana
Carlos Drummond de
Andrade
I
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
II
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
E multinacionais,
Quantos ais!
III
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.
A dívida externa
A dívida eterna.
IV
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
Publicado em 1984 no jornal
Cometa Itabirano, o poema não chegou a ganhar versão subsequente em livro − o
que levou alguns portadores de antologias de poemas do autor a, em um primeiro
momento, duvidar da autenticidade da citação, mas os versos são mesmo de
Drummond.
Escrito em um período em que a
dívida externa era um fantasma no horizonte de qualquer tentativa de crescimento
no Brasil, Lira Itabirana, com versos curtos e diretos que buscam inspiração
nas quadras da poesia popular, faz a comparação entre a atividade mineradora
incessante e lucrativa e a dívida "eterna" do país, pouco aplacada
mesmo com as toneladas de ferro exportado.
Apesar do aparente tom
antecipatório, ele apenas reitera alguns elementos com que o poeta mineiro
trabalhou ao longo de toda sua carreira: crítica social e política aliada à
evocação nostálgica de uma Minas Gerais que já não existia. Lira Itabirana é
apenas um dos exemplos de poemas nos quais Drummond refletia, entre melancólico
e alarmado, com os efeitos da mineração em seu Estado natal.
Qualquer deles, agora, poderia ser relembrado com o mesmo caráter assombroso.
(...)
Logo, a preocupação de Drummond
com os efeitos da mineração em sua região nada tinha de profética. E se agora
ela surpreende, é porque, infelizmente, ninguém estava prestando atenção.
(ZH, janeiro de 2019)
Nenhum comentário:
Postar um comentário