sábado, 23 de fevereiro de 2019

Histórias de Almanaque



Amor à pele...

− Puxe por aqui! − bradou o coronel Cazuza ao João Barbeiro, encontrando este em namoro com a filha. Suma-se da minha vista!

− Mas, coronel, eu tenho boas intenções...

− Ora boas intenções! Então você pensa que eu vou casar minha filha com um barbeiro? Puxe!

O rapaz não era de brigas: meteu a viola no saco, e foi-se embora.

Passaram-se tempos.

Um dia, o velho Cazuza estava sendo barbeado, e a navalha deslizava-lhe pela altura do gogó, quando o barbeiro lhe disse:

− O coronel parece que não quer casar as filhas...

O velho esbugalhou os olhos, reconhecendo o antigo pretendente repelido. E com um sorrisozinho amarelo:

− Que diabo! Também você não aparece...

A vocação vem de berço.

A maior preocupação que assaltava a mente do pai amantíssimo era definir o futuro de seu filho, um menino de nove anos, do qual queria fazer um grande cidadão, orgulho da família. E, depois de estudar vários projetos, decidiu-se por um simples e prático, que lhe permitiria estabelecer quais eram as verdadeiras inclinações do garoto e qual poderia ser a sua futura atividade de homem.

- Verás, - disse à sua mulher - tenho uma ideia excelente para saber quais são as aptidões do nosso filho. E agora mesmo faremos a experiência, antes que venha do colégio.

E, ato contínuo, tomou as providências que o caso requeria. Sobre a mesa da sala de jantar, pôs uma nota de cem cruzeiros, uma garrafa de uísque e uma Bíblia.

- Agora, - explicou à sua esposa - vamos nos esconder para ver o que faz o nosso filho diante destes objetos, sem que ele nos veja. Sua curiosidade será atraída pelas três coisas que deixo sobre a mesa. Fatalmente escolherá uma, e essa decisão nos permitirá estabelecer a inclinação de nosso filho, que certamente será a que influirá poderosamente sobre o seu futuro.

Momentos mais tarde apareceu o menino no corredor. Aproximou-se da mesa, sem suspeitar que estava sendo vigiado. Olhou com curiosidade para as três coisas, tomou nas mãos a nota de cem cruzeiros, olhou-a contra a luz e tornou a deixá-la sobre a mesa. Em seguida, segurou a Bíblia e folheou-a rapidamente, colocando-a logo depois no mesmo lugar onde estava. A seguir, pegou a garrafa, olhou a etiqueta, desarrolhou-a e aspirou com prazer o cheiro do uísque. Depois tapou a garrafa, meteu-a de baixo do braço; pegou anota de cem cruzeiros e enfiou-a no bolso; segurou com a outra mão a Bíblia e a colocou debaixo do outro braço e, assim carregando, com a garrafa, a Bíblia e as cem pratas, abandonou a sala de jantar.

O pai olhou para a mãe com assombro, e deixando-se cair sobre uma cadeira de braços, exclamou:

- Deus dos Céus! Estamos fritos! O nosso filho vai ser político!...

(In, Almanaque do Barão de Itararé, 2° semestre de 1955)

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