quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Poesia Geométrica


Nesta divertida brincadeira com a Língua Portuguesa e a Geometria, Millôr Fernandes conta a história de amor ousada entre três figuras geométricas que desafiam as normas da sociedade. Será que o amor pode ser imoral?


Pontudo poliedro
Ao entrar numa equação
Encontrou um romboide exemplar
De ângulos sem par
E negra simetria linear.
“Eureka!”, estremeceu,
“Arquimedes,
Não me enredes!”
“Newton, me ajuda de verdade
Que perco a gravidade!”
Doido negreiro,
Roçou o seu cateto
Nas quinas do parceiro
E, ao se sentir enorme,
Disse baixinho, ao preto:
“Meu Deus, que cuneiforme!”
“Sou teu isógono”,
Disse o Romboide, lacônico,
“Mas pode me chamar de risogônico.”
E os dois se propuseram

E + MC2 – 3,1416(24) x 69   ou seja,
______________________
             477 a 15

Um teorema disforme
Com carícias ardentes
“Um amor trapeziforme
Bissectando linhas confluentes.”

Neste instante, porém, surgiu o Heptaedro,

Que, com olhar oblíquo,
Gargalhou a verdade pendular:
“Somos todos heterógonos
Isto é um triângulo sexangular!”
E cheio de apetite
Propôs uma unidade tripartite.

Mas a repressão é coisa séria:
Elementos cheios de hidrostática
Saltaram da quarta-matéria
E, com força Kinética,
Atacaram a proposta sexo-estética:
“Prendam esse trio amoral
Poligonal
Por movimentos secantes
Revoltantes,
Gestos esféricos
Histéricos,
E atitudes cotangentes
Indecentes!
E não venham com lérias
Galileu já falava
Da excrescência das matérias”.

“Amado Poliedro”, gemeu o Romboide,
“Essas figuras obtusas
Vão nos meter na hipotenusa!”
“Comigo aqui”,
Disse Poli
“Ninguém te fará mal, reto ou oblíquo!”
E, com socos ubíquos
Nos críticos
Golpes elípticos
Em moelas
Pernadas paralelas
Em deltoides
E pontapés ovoides
Em umbigos,
Se pôs a derrubar os inimigos.

E a força de tal paixão
Atraiu num instante
A patrulha angular policitante
Que transformou os atacantes numa nuvem etérea
Com alguns rojões de antimatéria.

E nossa história se encerra
Com a vitória do Amor-Verdade
Que não explode
A população da Terra.

Millôr Fernandes, em VEJA, junho de 1976.

  
Millôr Fernandes por Fraga
  
Millôr Fernandes nasceu em 1923 no Rio de Janeiro, cidade onde viveu e trabalhou até pouco antes de morrer, em 2012. Desenhista de impressionante variedade estilística, foi ainda escritor, jornalista, dramaturgo e tradutor, tornando-se referência em todas as áreas que atuou.


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