Toquinho, Chico
Buarque e Vinicius de Moraes, nos anos 1970.
A história da música Samba de Orly
começou quando Chico, “convidado a se retirar do país” pela ditadura militar,
mandou um telegrama para Toquinho, no Brasil, convocando-o para uma suposta
oportunidade de emprego em seu novo país, a Itália. Toquinho não titubeou e
comprou a passagem só de ida. Chegando lá, Chico contou a verdade: não havia
oferta nenhuma; o convite foi só porque ele queria companhia, pois se sentia muito
só naquele país. Mas ficou a promessa de que em 10 meses as coisas melhorariam.
Toquinho confiou e realmente, quase um ano depois, já haviam surgido alguns convites. Mas, obrigado a voltar para o Brasil para shows com Vinícius, o violonista deixou com o amigo uma melodia sem letra. Tempos depois, quando pôde retornar ao país, Chico foi procurar Toquinho, que fez questão de mostrar a ele algumas das muitas composições que fizera com Vinícius.
Acontece que o poeta tinha uma certa
“pinimba” com Chico, por causa de suas inspiradas letras (quando lia uma letra
de Chico Buarque, Vinícius achava que podia ter tido aquela ideia antes).
Sem ter muito o que apresentar, o Carioca mostrou aquela música que Toquinho deixara com ele, mas já com letra. Humilde, ele pediu a opinião de Vinícius, que logo deu seu veredicto: “o sambinha não é ruim, não, mas está precisando de alguma coisa”. Três minutos depois ele voltou com a letra, mexida em apenas uma frase, o que já foi suficiente para pedir a inclusão na parceria. “Foi um samba a seis mãos”, empolgava-se Vinícius, feliz de assinar uma composição com Chico Buarque.
Em época de ditadura, a música teve de ser mostrada à censura, que vetou apenas uma frase, exatamente a que foi sugerida por Vinícius. No Canecão, Toquinho fez um certo suspense até contar o hilariante desfecho: “Liguei para a Bahia, onde Vinícius estava, e contei para ele que a censura vetou justamente aquela frase dele. No que ele me respondeu: “olha, então tira a frase do samba. Mas da parceria eu não saio mais!”. O público, é claro, caiu na gargalhada, para depois cantar junto com Toquinho o belíssimo Samba de Orly.
Do Blog Só MPB
Samba de Orly
Chico Buarque /
Toquinho / Vinícius de Moraes
1970
Vai, meu irmão (Toquinho),
Pega esse avião,
Você tem razão de correr assim
Desse frio (europeu),
Mas beija
O meu Rio de Janeiro,
Antes que um aventureiro
Lance mão.
Pede perdão
Pela duração (Pela omissão)*
Dessa temporada, (Um tanto
forçada)*
Mas não diga nada
Que me viu chorando
E pros da pesada
Diz que vou levando.
Vê como é que anda
Aquela vida à toa
E se puder me manda
Uma notícia boa.
*Versos vetados pela Censura
Nota sobre Samba de Orly
Por Humberto Werneck
Juntos, viram o homem pisar pela
primeira vez na Lua, em julho de 1969. À distância, acompanharam o surgimento
da luta armada no Brasil, o primeiro sequestro de um embaixador estrangeiro
para obter a libertação de prisioneiros políticos, o dramático esfarinhamento
da esquerda brasileira em miríades de grupúsculos. Em novembro, Toquinho
resolveu voltar. No último dia, foi ao apartamento de Chico e lhe mostrou um
samba ainda sem letra. Só então teve coragem de contar que estava partindo. “Fiz
essa música de saudade mesmo”, disse, “vou embora amanhã”. Era o Samba de Orly,
com todo aquele clima de exílio, de impossibilidade. Toquinho conta que Chico
fez na hora os versos finais:
Vê como é que anda
Aquela vida à toa
E se puder me manda
Uma notícia boa
Aquela vida à toa
E se puder me manda
Uma notícia boa
Bem depois, quando estava
preparando o LP Construção,
Chico convidou Vinícius para ajudar na letra. Três dos versos que o poeta
escreveu:
Pede perdão
Pela omissão
Um tanto forçada
Pela omissão
Um tanto forçada
Seriam podados pela censura. “Omissão” teve que virar “duração”, e “um tanto forçada” deu lugar a “dessa temporada”.
© Copyright Humberto Werneck in Chico Buarque Letra e
Música, Cia da Letras, 1989
P.S. Toquinho estava voltando
para o Brasil do Aeroporto de Fiumicino, na Itália, a canção foi batizada como “Samba
de Orly”, porque a França era a porta de entrada dos exilados brasileiros que
iam e voltavam da Europa. Chico Buarque tinha sido expulso pela ditadura militar,
tinha, obrigatoriamente, de ficar na Itália, Toquinho não estava exilado, logo poderia
voltar ao Brasil. Chico, com a letra, diz com palavras poéticas a dor da saudade de estar longe do
Brasil forçadamente...
Obs.: Esta música está na internet na voz do autor da letra: Chico Buarque.
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