“Quem sabe o mal que se esconde nos corações humanos?
O Sombra sabe!”
O Sombra era um herói diretamente
importado dos Estados Unidos, onde sua popularidade somente era comparável à do
Superman.
Como sugere o próprio nome, o Sombra
era um sujeito misterioso, estranho e sombrio: usava uma enorme capa preta
forrada de vermelho e um chapéu de abas caídas, que ocultava parte do seu
rosto, no melhor estilo noir. Como o
Mandrake, tinha poderes hipnóticos, que usava para se tornar invisível aos
olhos dos inimigos.
O alter
ego do Sombra era Lamont Craston, que, com a bela e meiga Margot Lane,
passava o dia a desafiar a morte em nome do bem público e da lei. Em 1937, na
CBS, o primeiro Sombra foi personificado por Orson Welles, então com apenas 22
anos. Margot Lane foi interpretada por Agnes Moorehead, que, tempos depois, na
TV, faria o papel de Endora, mãe de Samantha, a Feiticeira.
Em tudo semelhante ao personagem americano,
o Sombra brasileiro foi produzido no Brasil com excelente qualidade técnica e
artística. A sonoplastia era do balacobaco, repleta de efeitos espetaculares e
emocionantes. Era levado ao ar pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro às
22h05min das terças-feiras e tinha o patrocínio das lâminas de barbear Gilette
Azul. Na verdade, era um seriado dirigido quase exclusivamente ao público
adulto, pois a garotada corria da sala ao ouvir a voz cavernosa e sinistra do
Sombra quando dizia: “Quem sabe o mal que se esconde nos corações humanos? O
Sombra sabe!...” (gargalhada apavorante).
O Sombra foi personificado, no
Brasil, pelo radioator Saint-Clair Lopes, um ícone não apenas da Nacional como
do rádio brasileiro, em que fez de tudo. Foi ator, diretor, redator,
programador, discotecário, locutor, escreveu livros, fez palestras sobre
radiofusão e comunicação. Só na Rádio Nacional ele permaneceu por 33 anos.
De qualquer modo, o personagem Sombra
tornou-se uma espécie de marca, que acompanhou Saint-Clair Lopes pela vida.
Um dia, por volta de 1952 ou 1953,
meu pai levou-me à Rádio Nacional e me fez apertar a mão do ator, de quem era
amigo. Ao vê-lo sorrir e conversar animadamente com o meu pai, fiquei
decepcionado. Não, aquele sujeito que falava sobre as últimas façanhas do time
do Flamengo, que ria dos comentários do pai, que não usava chapéu desabado no
rosto, que não vestia a misteriosa capa preta – não, não, aquele sujeito não
podia ser o Sombra. Eu estava decepcionado. Súbito, porém, Lopes calou-se,
olhou muito sério para mim e grunhiu: “Quem sabe...” – e deu a sinistra e
inconfundível gargalhada que tanto pânico me causava. Com o coração aos pulos,
mas fascinado, me escondi atrás do meu pai, mas agora, finalmente, eu não tinha
mais dúvidas. Aquele homem, mesmo sem a capa e o chapéu, que conversava com o
pai, era mesmo o Sombra. Só podia ser o Sombra. Afinal, quem mais seria capaz
de perceber minha descrença? Que mais seria capaz de ler meus pensamentos? Como
fazia com todos que ousavam duvidar das suas artimanhas, o Sombra havia me dado
uma lição inesquecível.
(Do “Almanaque da
Rádio Nacional”, de Ronaldo Conde Aguiar)
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