quinta-feira, 7 de março de 2019

A Escolha


Prólogo para adaptação de Antígona, 1969, por Millôr Fernandes.

Ao cidadão grego
Na plateia
O que lhe importava
Ao sentar de novo para ouvir de novo
Não era a velha lenda:
Era a palavra nova do poeta.
Colocando o cidadão de hoje
Atento aí, à espera,
Em pé de igualdade com o ateniense
De faz tantos séculos
Lhe damos um resumo da espantosa história:
Creonte, rei de Tebas,
Vinga-se de Polinices, sobrinho e inimigo.
Antígona, irmã de Polinices,
Enfrenta o rei, é condenada à morte.
Hémon, filho do rei, noivo de Antígona,
Rompe com o pai.
E assim a história avança,
Em luta fratricida,
Ódio mortal
Violência coletiva
Tudo pago por fim, naturalmente,
Com a escravidão do povo,
Na derrota final.
Não sabemos bem
Que ninguém aprendeu muito
Com esta história de Sófocles −
Os jornais do dia mostram
Que os próprios gregos não aprenderam −
E, cansativamente, ela se repetiu,
Nos 2.400 anos que passaram:
Ânsia de Brutos, Cruz de Cristo, Bizâncio Prostituída,
Heil Hitler! Lumumba esquartejado, Kenya de Kenyata,
Chê nas montanhas.
Há sempre duas faces na mesma moeda:
Cara: um herói.
Coroa: um tirano.
Algo mudou, bem sei:
A ambição mudou de traje,
A guerra, de veículo,
O poder, de método.
O mundo girou muito,
O homem mudou pouco.
Porém repetir uma história
É nossa profissão, e nossa forma de luta.
Assim, vamos contar de novo
De maneira bem clara.
E eis nossa razão:
Ainda não acreditamos que no final
O bem sempre triunfa.
Mas já começamos a crer, emocionados,
Que, no fim, o mal nem sempre vence.
O mais difícil da luta
É descobrir o lado em que lutar.

A tragédia na peça teatral “Antígona”, de Sófocles


A peça teatral grega Antígona é a continuação dramática de Édipo Rei de Sófocles. Depois da tragédia ocorrida na primeira peça, a desgraça parece ter sido o legado deixado por Édipo aos seus quatro filhos (Etéocles, Polinice, Antígona e Ismênia). Com sua partida para o exílio, os filhos lutaram pelo poder e chegaram a um acordo de revezamento no comando a cada ano. No entanto, Etéocles, que foi o primeiro a governar, ao fim do mandato, não quis ceder o lugar do poder ao irmão Polinice, que revoltado foi para a cidade vizinha e rival da grande Tebas.

Ali, reunindo um exército aliado, Polinice enfrentou o irmão visando ao trono de Tebas. O conflito acabou com os dois se matando e, então, assumiu o poder o tio Creonte, irmão de Jocasta, esposa de Édipo que também morreu na primeira peça. Usando de seu poder, Creonte estabeleceu que o corpo de Polinice não receberia as honrarias tradicionais dos funerais, pois este tinha lutado contra a pátria. Já ao irmão, Etéocles, o rei determinou que fossem dadas tais honrarias fúnebres. Além disso, determinou pena de morte a quem desobedecesse as suas ordens.

Entretanto, Antígona, irmã dos herdeiros e protagonista da peça, entendeu que esse procedimento do Tio Creonte, agora rei, era arbitrário, não respeitando as leis naturais mais antigas ou divinas que estabeleciam que todo homem devia ter o seu devido sepultamento. Era crença antiga que os rituais de passagem eram importantes para que a alma não ficasse vagando eternamente sem destino. Com essa preocupação, Antígona preferiu correr o risco da morte para enterrar seu irmão despojado.

Cabia ao filho de Creonte, Hemon, noivo de Antígona, prendê-la e executá-la em nome da lei do Estado ao saber que havia desobedecido às ordens e enterrado Polinice. Apaixonado, Hemon se casou com Antígona em segredo e fugiu com ela, mas a obstinação de seu pai, Creonte, era tamanha que ele, Hemon, acabou tendo de cumprir a sentença, matando Antígona e depois a si mesmo. A mulher de Creonte, ao saber da morte do filho, também tirou a própria vida e concluiu a tragédia.

Devemos perceber que estavam em conflito as leis divinas, encarnadas na religiosa Antígona e as leis humanas determinadas pelo arbítrio de Creonte. A finalidade da obra trágica era justamente combater as duas posições extremistas, punindo ambas por não buscarem um acordo e desejarem prevalecer uma sobre a outra. Do lado de Antígona, havia a desobediência das leis de seu país. Do lado de Creonte, havia a desobediência das tradições. Foi assim que cada um foi punido ao final, Antígona, por sua desobediência, provocou a morte de mais duas pessoas. Então, ela tornou-se uma heroína dos valores, mas que não gozou de prêmio nenhum. Creonte, por sua ambição e por seu despotismo, perdeu seu filho e sua esposa, evidenciando que devemos pensar sobre a responsabilidade de nossas ações no mundo.

Por João Francisco P. Cabral*

Colaborador Brasil Escola
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

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