Zilá
era proprietária de uma pensão de mulheres na Rua Gonçalves Dias, no Bairro
Menino Deus, em Porto
Alegre.
Existem
pessoas que bebem e ficam alegres, expansivas. Outras entram em depressão ou
mostram o lado perverso de sua personalidade, ficando rudes e violentas. O
álcool cria um vasto espectro de comportamentos.
Contudo
Zilá tinha uma característica singular. Enquanto estava fazendo negócio em sua
pensão, mostrava uma incrível seriedade. Depois da uma manhã, dava por
encerrada suas atividades de cafetina.
Então,
sentava-se numa mesa e o garçom, automaticamente, colocava sobre a mesa a
garrafa de seu uísque predileto. Em questão de uns quarenta minutos a garrafa
já estava pela metade. Era nesse momento que dela se apoderava um brutal senso
estético, embora ela mesma não soubesse o que era isso.
Era
sistemática a sua conduta. Ficava bêbada e chamava sempre o Dudu* para
acompanhá-la e dar opinião sobre seus quadros, na verdade, gravuras de um mau
gosto atroz.
Uma
delas mostrava um beduíno acompanhado de duas mulheres vestidas com véus. Essa
gravura era a sua preferida. Ao lado de Dudu, ela iniciava uma análise sobre as
cores que o pintor havia usado. Depois, passava a analisar as figuras. Era
sempre a mesma coisa, sempre as mesmas perguntas:
‒
Dudu, você não acha que esse beduíno está demonstrando uma certa tristeza? Olha
a expressão de seus olhos e maneira que está segurando o cálice.
Dudu,
enfastiado com as mesmas perguntas, havia quase um ano, resolveu gozar com a
cara da cafetina.
‒
Olha, dona Zilá, cada pessoa tem sua maneira própria de sentir. Na verdade,
penso que tudo isso não passa de uma questão de blefarite...
‒
Blefarite?
‒
Sim, blefarite, dona Zilá.
Zilá
não perdeu a postura, deu mais um longo gole no seu uísque predileto e
respondeu firme:
‒
Blefarite? É, pode ser...
*****
*Dudu:
Eduardo Prates da Cunha, aposentado, residia em Porto Alegre.
...
E para quem não sabe, blefarite é uma inflamação de pálpebra e não tem nada a
ver com arte.
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