(Para os que se iniciam. Ou mesmo pros que estão
acabando.)
Por Millôr Fernandes
Ser político é engolir sapo e não ter
indigestão, respirar o ar do executivo e não sentir a execução, é acreditar no
dialogo em que o poder fala e ele escuta, é ser ao mesmo tempo um ímã e um
calidoscópio de boatos, é aprender a sofrer humilhações todos os dias, em
pequenas doses, até ficar completamente imune à ofensa global, é esvaziar a
tragédia atual com uma demagogia repetida de tragédia antiga, é ver o que não
existe e olhar, sem ver, a miséria existente, é não ter religião e por isso
mesmo cortejar a todas, é, no meio da mais degradante desonra encontrar sempre
uma saída honrosa, é nunca pisar nos amigos sem pedir desculpas, é correr logo
pra bilheteria quando alguém grita que o circo pega fogo, é rir do sem-graça
encontrando no antiespírito o supremo deleite desde que seu portador seja bem
alto, é flexionar a espinha, a vocação e a alma em longas prostrações ante o
poder como preparação do dia de exercê-lo, é recompor com estoicismo
indignidades passadas projetando pra história uma biografia no mínimo
improvável, é almoçar quatro vezes e jantar umas seis pra resolver
definitivamente o problema da nossa subnutrição endêmica, é tentar nobremente a
redistribuição dos bens sociais, começando, é natural, por acumulá-los, pois
não se pode distribuir o pão disperso, e é ser probo seguindo autocritério.
E assim, por conhecer profundamente a
causa pública e a natureza humana, estar sempre pronto a usufruir diariamente o
gozo de pequenas provações e a sofrer na própria pele insuportáveis vantagens.
(Do livro “Diário da
Nova República Vol. 2)
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