Rua do Arvoredo - 1860
(Atual Rua
Fernando Machado)
No inicio da segunda metade do século
XIX, a produção de linguiça em
Porto Alegre já era insuficiente para atender à população.
Havia uma fábrica no Morro de Santana e um cidadão que a história registra como
Lourenço Brabo (juntamente com seus irmãos João e Nico) não tinha mãos a
medir com sua indústria. Foi então que um indivíduo, que as crônicas dizem ser
de nacionalidade alemã (mas, que acredito ser apenas de origem, uma vez que
antigamente se aplicava esse epíteto aos descendentes de teutos) chamado Ramis
ou Rams (na verdade seu nome era José Ramos) e sua mulher Catarina Palse
(dotada de beleza invulgar) se estabeleceram na rua do Arvoredo numa casa de
porta e duas janelas, mais ou menos onde hoje se situa o Edifício Rio
Uruguai na esquina da rua Espírito Santo, passando a fabricar uma deliciosa
linguiça. Dizem que era imensa a freguesia do casal a ponto de ambos não ter
mãos a medir no seu trabalho. Isso pela excelência do produto fabricado, que
era objeto da procura de gente de vilas vizinhas, inclusive. Mas, enquanto
florescia a “indústria do Ramis”, a vila assistia a uma série interminável de
desaparecimentos misteriosos. Até que um dia tocou a vez de um caixeiro de
armazém da rua do Arvoredo, desaparecer como por encanto. Mas, por uma dessas
obras do destino, acompanhava sempre o dito o seu cachorrinho, que foi
encontrado ganindo e arranhando a porta do Ramis. A vizinhança não teve dúvida:
chamou a polícia. Esta, penetrando na casa, encontrou no porão restos de
esqueletos humanos. E logo depois a notícia estourava na cidade: na Rua do
Arvoredo funcionava uma fábrica de linguiça de carne de gente! Começavam a
ser conhecidos os pormenores: o Ramis se valia dos encantos de sua mulher, que
ia à rua conquistar os homens, atraindo-os para aquele “lúgubre matadouro”, que
a seguiam como cordeirinhos, antevendo umas deliciosas horas de amor... A
princípio, Catarina atraía apenas os forasteiros cujo desaparecimento não seria
logo percebido na cidade. Os ditos eram mortos e saqueados de seus objetos.
Parece, que de início, o fito principal era o roubo e que depois surgiu a ideia
de se utilizarem as carnes do cadáver na fabricação de linguiças... E como
Ramis os matava? Deixemos que Aquiles Porto Alegre narre o ´método´: “Ao ser
conduzido da sala para outro compartimento, o assoalho, subitamente,
desaparecia sob seus pés: era um alçapão que se abria. O desgraçado tombava no
lúgubre porão, onde Ramis, que já o esperava, prostrava-o com um golpe de machadinha
na cabeça. Em seguida saqueava a vítima: dinheiro, joias, roupas, calçados,
tudo lhe tirava e ia mostrar a sua cúmplice, que sorria, vaidosa da sua força
de sedução, o produto da “féria”. Horas depois o Ramis voltava ao porão, a fim
de completar a sua satânica tarefa. Com a habilidade de um consumado anatomista
começava a obra de dissecação, separando o necessário para a linguiça: carne,
sebo, as tripas”.
E acrescenta o velho cronista que
essa dissecação era acompanhada de “Volkslieder” do Reno, entoados a meia voz
pelo macabro carniceiro. Escasseando os forasteiros, os encantos da Catarina se
voltaram para os “conquistadores” da cidade. O caixeiro, certamente, também
fora atraído pelos seus encantos e morto porque Ramis desconfiava que, dado à
proximidade do armazém, ele tivesse observado a entrada das vítimas em sua
residência, decidindo, portanto, eliminá-lo. Submetido a julgamento, Ramis foi
condenado à morte e Catarina à prisão perpétua. Mas, como D. Pedro II era muito
magnânimo, comutou a pena para a de prisão perpétua e Ramis veio a morrer velho
e cego (e também leproso) na prisão (na verdade morreu no dia 1° de agosto de 1893, na Santa Casa
de Misericórdia), “mas sem remorso”, acrescenta Aquiles. Quanto à Catarina,
morreu cancerosa na via pública em 1888 (na verdade morreu em 1891, sendo
enterrada como indigente no cemitério da santa Casa), pois vivia de esmolas.
Será fácil aos leitores imaginar o
impacto produzido nos estômagos porto-alegrenses a notícia de que as “deliciosas
linguiças do Ramis” eram feitas com “carne de gente”. Dizem os cronistas que
houve muito vômito, choro e ranger de dentes na cidade.
(Do livro “Crônicas das Ruas de
Porto Alegre”, de Leandro Telles)
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