Noel Rosa* dizia para o grande público que
seu primeiro sucesso, o samba “Com que roupa?”, surgira quando sua mãe,
preocupada com seu estado de saúde agravado aos olhos vistos pela boemia diária,
escondera toda sua roupa para que ele não saísse mais de casa. Segundo o
próprio Noel, ele havia combinado com alguns amigos que viessem buscá-lo para
uma festa. “Os amigos não faltaram”, contou. “À noite, batiam lá em casa: “Como
é, Noel, vamos para o baile?” E eu, dentro do quarto: “Mas com que roupa?” Mal
eu tinha acabado de soltar a frase, quando me ocorreu a inspiração de fazer um
samba com esse tema...”
A difusão do samba pelo Rio de
Janeiro – e por todo o país – fez com que o estribilho “Com que roupa?” virasse
designativo de falta de dinheiro.
Para os íntimos, Noel contava também
que os versos retratavam metaforicamente um país pobre, com fome e miséria,
contexto certamente agravado pela quebra da Bolsa de Nova York. O Brasil era
extremamente dependente do mercado internacional, e seu principal produto, o
café, responsável por 71% das exportações, deixou de ser vendido para o
exterior. A crise de 1929 acarretou, praticamente no mundo inteiro, um nível de
desemprego, miséria e fome nunca antes visto no sistema capitalista e que ficou
conhecido como a Grande Depressão Econômica.
(Do “Almanaque do
Samba”, de André Diniz – Jorge Zahar Editor)
*Noel Rosa: 1910 - 1937
Com Que Roupa?
Noel Rosa
Agora vou mudar minha conduta,
Eu vou pra luta, pois eu quero me
aprumar.
Vou tratar você com a força bruta
Pra poder me reabilitar.
Pois esta vida não tá sopa
E eu pergunto: com que roupa?
Com que roupa que eu vou?
Pro samba que você me convidou,
Com que roupa que eu vou?
Pro samba que você me convidou.
Agora, eu não ando mais fagueiro,
Pois o dinheiro não é fácil de
ganhar.
Mesmo eu sendo um cabra
trapaceiro,
Não consigo ter nem pra gastar.
Eu já corri de vento em popa,
Mas agora com que roupa?
Com que roupa que eu vou?
Pro samba que você me convidou,
Com que roupa que eu vou?
Pro samba que você me convidou.
Eu hoje estou pulando como sapo
Pra ver se escapo desta praga de
urubu.
Já estou coberto de farrapo,
Eu vou acabar ficando nu.
Meu terno já virou estopa
E eu nem sei mais com que roupa,
Com que roupa que eu vou?
Pro samba que você me convidou,
Com que roupa que eu vou?
Pro samba que você me convidou.
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