quinta-feira, 24 de março de 2016

O Mate do Gaúcho

Raul Annes Gonçalves


Também chamado chimarrão, entre os campeiros é mais conhecido por mate, simplesmente. O mate é feito e tomado pelos gaúchos somente em cuia proveniente do porongo. Porém, as mulheres utilizam também caneco de barro ou alouçado e cuias feitas de madeira para tomarem seu mate doce. São só as mulheres que tomam mate com açúcar. Elas também apreciam o mate de leite, isto é, em vez de água, o mate é enchido com leite quente, já preparado com açúcar, canela e erva-doce. O mate de leite é tomado de preferência pela tarde, acompanhado com pão, bolacha ou biscoitos entre visitas íntimas, vizinhas ou comadres.

O gaúcho toma o seu mate-amargo pela madrugada. Porém, quando de folga, toma-o a qualquer hora. Em seu rancho ao chegar uma visita ou algum forasteiro, é logo obsequiado com um amargo. O gaúcho costuma pôr na chaleira, destinada ao mate, algum “juju”, isto é, casca de certas árvores, raízes ou folhas de ervas que servem como medicamento.

O mate é tomado no galpão, entre peões, e é enchido só por um deles, sendo passado de mão em mão, sempre da direita para a esquerda. Mas, se na roda houver pessoa de categoria mais elevada, ou mesmo o patrão, a este é oferecido o mate em primeiro lugar.

O mate tomado na sala, entre pessoas de cerimônia, nunca é enchido no próprio recinto.

Neste caso, cabe a uma mulher, de preferência uma das filhas do dono da casa, já moça, “tranquerar” o mate da cozinha para a sala.

Nunca usam duas cuias na mesma roda de chimarrão, salvo em acampamento, quando o número de pessoas é grande.

Ao se agradecer o mate, é de praxe fazê-lo ao entregar a cuia e não ao recebê-la das mãos do enchedor.

Quem, ao receber o mate, estando meio apertado ou entupido e sendo enchido por outro, não deve procurar corrigi-lo. Isso seria uma falta de atenção para com o enchedor. Neste caso, o direito é devolvê-lo a quem estiver enchendo e desculpando-se, pedir que o arrume.

O mate bem cevado sempre conserva um morrão de erva seca na boca da cuia. Essa erva deve ser depositada ao lado esquerdo de quem toma o mate. Se estiver à direita, o mate é canhoto, pois para enchê-lo, é forçoso despejar-se a água da chaleira por cima do morrão e isso não fica bem.

Ao entregar a cuia, depois de haver tomado o mate, não se deve levantar do banco ou do assento para tal, mesmo tratando-se de pessoas de cerimônia ou desconhecida. Basta fazer um simples gesto, estirando o braço, fazendo ver ao enchedor seu desejo de lhe entregar a cuia. A pessoa que estiver enchendo o mate é que atravessa a sala para entregar ou receber a cuia.

É também de bom costume, ao terminar o mate, fazer roncar a cuia, discretamente. Isto serve para advertir a quem estiver enchendo o mate, que este está tomado. Nunca se deve entregar o mate sem tê-lo tomado totalmente.

A cuia nunca deve passar de um dia para outro com erva. Isto faz com que o porongo fique com cheiro e gosto de azedo. Para tirar-se o azedo de uma cuia basta, antes de iniciar um novo mate, colocar dentro do porongo algumas brasas, despejando logo água fria em cima.

O mate sempre foi uma aproximação e oportunidade para os namorados, pois, ao receber ou devolver a cuia, sempre havia facilidade de se tocarem os dedos, sem serem percebidos por terceiros que estivessem na sala.

No galpão, quando se colocava a chaleira sobre tições em vez de pôr no gancho ou na trempe, alguém logo lembra este adágio: “Chaleira em cima do tição, tomaremos mate ou não.”

(Em Almanaque do Correio do Povo – 1975)



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