Da literatura Universal
Por Carlos Willian Leite
Dando sequência à série de melhores trechos de livros, pedimos aos leitores, colaboradores, seguidores do Twitter e Facebook que apontassem quais eram os melhores finais de livros da literatura universal. Dos 33 livros citados, selecionamos os 10 que obtiveram mais citações, são eles “Crime e Castigo” e “Notas do Subsolo”, de Fiódor Dostoiévski; “On The Road”, de Jack Kerouac; “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez; “
Nada de Novo no Front
(Erich Maria Remarque)
“Estou muito tranquilo. Que venham
os meses e os anos, não conseguirão tirar nada de mim, não podem tirar-me mais
nada. Estou tão só e sem esperança que posso enfrentá-los sem medo. A vida, que
me arrastou por todos estes anos, eu ainda a tenho nas mãos e nos olhos. Se a
venci, não sei. Mas enquanto existir dentro de mim – queira ou não esta força
que em mim reside e que se chama “Eu” – ela procurará seu próprio caminho…
Tombou morto em outubro de 1918, num dia tão tranquilo em toda a linha de
frente, que o comunicado se limitou a uma frase: “Nada de novo no front”. Caiu
de bruços, e ficou estendido, como se estivesse dormindo. Quando alguém o
virou, viu-se que ele não devia ter sofrido muito. Tinha no rosto uma expressão
tão serena, que quase parecia estar satisfeito de ter terminado assim.”
On The Road
(Jack Kerouac)
“Assim, na América, quando o sol se
põe, eu me sento no velho e arruinado cais do rio olhando os longos, longos
céus acima de Nova Jersey, e consigo sentir toda aquela terra crua e rude se
derramando numa única, inacreditável e elevada vastidão, até a costa oeste, e a
estrada seguindo em frente, todas as pessoas sonhando naquela imensidão, e em
Iowa eu sei que agora as crianças devem estar chorando na terra onde deixam as
crianças chorar, e você não sabe que Deus é a Ursa Maior? A estrela do
entardecer deve estar morrendo e irradiando sua pálida cintilância sobre a
pradaria, reluzindo pela última vez antes da chegada da noite completa, que
abençoa a terra, escurece todos os rios, recobre os picos e oculta a última
praia, e ninguém, ninguém sabe o que vai acontecer a qualquer pessoa, além dos
desamparados andrajos da velhice. Penso então em Dean Moriarty , penso
no velho Dean Moriarty, o pai que jamais encontramos, penso em Dean Moriarty.”
A Espera dos Bárbaros
“No centro da praça, algumas
crianças estão construindo um boneco de neve. Acerco-me, temendo assustá-las,
mas tomado de uma inexplicável alegria. Não se assustam, estão ocupadas demais
para sequer me notar. Terminaram o grande corpo redondo e, agora, estão fazendo
uma bola para a cabeça! – Alguém tem de ir buscar as coisas para a boca, o
nariz e os olhos – diz o menino que os lidera. Ocorre-me que o boneco de neve
precisará de braços também, mas não interfiro. Colocaram a cabeça sobre os
ombros e, com seixos, fazem os olhos, as orelhas, o nariz e a boca. Um deles o
cobre com o boné. Não está mal o boneco. Não se trata da cena com que costumo
sonhar. Como tantas outras vezes atualmente, deixo-os, sentindo-me tolo, como
um homem que há muito se extraviou, mas que ainda insiste em seguir pela
estrada que não o levará a parte alguma.”
Cem Anos de Solidão
(Gabriel García Márquez)
“Macondo já era um pavoroso
redemoinho de poeira e escombros centrifugados pela cólera do furacão bíblico
quando Aureliano pulou onze páginas para não perder tempo em fatos demasiado
conhecidos e começou a decifrar a última página dos pergaminhos, como se
estivesse se vendo num espelho falado. Então deu outro salto para se antecipar
às predições e averiguar a data e as circunstâncias de sua morte. Porém, antes
de chegar ao verso final já havia compreendido que não sairia jamais daquele
quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria
arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que Aureliano Babilônia
acabasse de decifrar os pergaminhos, e que tudo estava escrito neles era
irrepetível desde sempre e para sempre, porque as estirpes condenadas a cem
anos de solidão não tinham uma segunda chance sobre a terra.”
1984
(George Orwell)
“Já não corria nem dava vivas. Estava de
volta ao Ministério do Amor, tudo perdoado, a alma branca de neve. Estava na
tribuna dos réus, confessando tudo, implicando todos. Ia andando pelo corredor
de ladrilhos brancos, com a impressão de andar ao sol, acompanhado por um
guarda armado. Por fim penetrava-lhe o crânio a bala tão esperada. Levantou a
vista para o rosto enorme. Levou quarenta anos para aprender que espécie de
sorriso se ocultava sob o bigode negro. Oh mal-entendido cruel e desnecessário!
Oh teimoso e voluntário exílio do peito amantíssimo! Duas lágrimas cheirando a gim
escorreram de cada lado do nariz. Mas agora estava tudo em paz, tudo ótimo,
acabada a luta. Finalmente vencida a batalha contra si mesmo. Amava o Grande
Irmão.”
Lolita
(Vladimir Nabokov)
“Nenhum de nós estará vivo quando o
leitor abrir este livro. Mas, enquanto o sangue ainda pulsa nesta mão com que
escrevo, você faz parte, como eu, da bendita matéria universal, e daqui posso
te alcançar nas lonjuras do Alasca. Seja fiel a teu Dick. Não deixe que nenhum
outro homem te toque. Não fale com estranhos. Espero que você ame teu bebê.
Espero que seja um menino. Esse teu marido, assim espero, sempre te tratará
bem, porque, se não, meu fantasma o atacará como uma nuvem de negra fumaça,
como um gigante insano, e o destroçará nervo por nervo. E não tenha pena do
C.Q. Era preciso escolher entre ele e o H.H., e era desejável que H.H.
existisse pelo menos alguns meses a mais a fim de que você pudesse viver para
sempre nas mentes das futuras gerações. Estou pensando em bisões extintos e
anjos, no mistério dos pigmentos duradouros, nos sonetos proféticos, no refúgio
da arte. Porque essa é a única imortalidade que você e eu podemos partilhar,
minha Lolita.”
Notas do Subsolo
(Fiódor Dostoiévski)
“Deixem-nos sós, sem livros, e
imediatamente ficaremos confusos, perdidos – não saberemos a quem nos unir, o
que devemos apoiar; o que amar e o que odiar; o que respeitar e o que
desprezar. Até mesmo nos é difícil ser gente – gente com seu próprio e
verdadeiro corpo e sangue; sentimos vergonha disso, achamos que é um demérito e
nos esforçamos para ser uma espécie inexistente de homens em geral. Somos
natimortos, e há muito tempo nascemos não de pais vivos, e isso nos agrada cada
vez mais. Estamos tomando gosto. Em breve vamos querer nascer da ideia, de
algum modo. Mas basta, não quero mais escrever “do subsolo”… Entretanto, aqui
não terminam as “notas” desse paradoxista. O autor não resistiu e prosseguiu
com elas. Mas nós também pensamos que é possível terminar por aqui.”
Crime e Castigo
(Fiódor Dostoiévski)
“Ela esteve também comovida todo
aquele dia e, à noite, voltou a ficar doente. Mas era feliz a tal ponto que
quase a assustava a sua felicidade. Sete anos, só sete anos! No princípio da
sua felicidade, houve alguns momentos em que tinham estado dispostos a
considerar aqueles sete anos como sete dias. Ele nem sequer sabia que a vida
nova não lhe seria dada gratuitamente, mas que ainda teria de comprá-la caro,
pagar por ela uma grande façanha futura… Mas aqui começa já uma nova história,
a história da gradual renovação de um homem, a história do seu trânsito
progressivo dum mundo para outro, do seu contato com outra realidade nova,
completamente ignorada até ali. Isto poderia constituir o tema duma nova
narrativa… mas a nossa presente narrativa termina aqui.”
O Grande Gatsby
(F. Scott Fitzgerald)
“E, quando lá me achava a meditar
sobre o velho, desconhecido mundo, lembrei-me da surpresa de Gatsby, ao divisar
pela primeira vez, a luz verde e existente na extremidade do ancoradouro de
Daisy. Ele viera de longe, até aquele relvado azul, e seu sonho de ter-lhe
parecido tão próximo, que dificilmente poderia deixar de alcançá-lo. Não sabia
que seu sonho já havia ficado para trás, perdido em algum lugar, na vasta
obscuridade que se estendia para além da cidade, onde as escuras campinas da
república se estendiam sob a noite. Gatsby acreditou na luz verde, no
orgiástico futuro, que ano após ano, se afastava de nós. Esse futuro nos
iludira, mas não importava: amanhã correremos mais depressa, estenderemos mais
os braços… E, uma bela manhã… E assim prosseguimos, botes contra a corrente,
impelidos incessantemente para o passado.”
O Estrangeiro
(Albert Camus)
“Pela primeira vez, em muito tempo, pensei em mamãe. Pareceu-me
compreender por que, ao fim de uma vida, arranjaram um ‘noivo’, porque
recomeçara. Lá, também lá, ao redor daquele asilo onde as vidas se apagavam, a
noite era como uma trégua melancólica. Tão perto da morte, mamãe deve ter-se
sentido liberada e pronta a reviver tudo. Ninguém, ninguém tinha o direito de
chorar por ela. Também eu me senti pronto a reviver tudo. Como se esta grande
cólera me tivesse purificado do mal, esvaziado de esperança, diante desta noite
carregada de sinais de estrelas, eu me abria pela primeira vez à terna
indiferença do mundo. Por senti-lo tão parecido comigo, tão fraternal, enfim,
senti que tinha sido feliz e que ainda o era. Para que tudo se consumasse, para
que me sentisse menos só, faltava-me desejar que houvesse muitos espectadores
no dia da minha execução e que me recebessem com gritos de ódio.”
(Do Blog Bula revista por Carlos Willian Leite)
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