Ivan era um homenzinho tímido, tão
tímido que os camponeses do lugar lhe chamavam “Pombo”, ou caçoavam dele
dando-lhe o título de “Ivan o Terrível”. Todas as noites ia ao botequim,
situado logo depois do cemitério da aldeia. Ao regressar à sua cabana
solitária, que ficava do outro lado, não atravessava o cemitério. Havia neste
um caminho que lhe pouparia distância, mas ele nunca enveredou por aí, nem
mesmo em noites de lua.
Certa feita, no inverno, já noite
alta, quando a neve e o vento cortante batiam de encontro às janelas do
botequim, os fregueses habituais começaram a lançar-lhe os motejos de costume:
“A mãe do Ivan, quando o trazia no ventre, assustara-se com um canário. Daí o
“Ivan o Terrível, o Terrivelmente tímido.”
Os humildes
protestos de Ivan serviam apenas de estímulo para a galhofa, e esta aumentou
ainda quando o jovem tenente Cossaco lançou, o horrível desafio:
– Você é um pombo, Ivan. Mesmo com
este frio infernal, você prefere fazer a volta do cemitério, mas não ousa nunca
atravessá-lo.
– Não há nada de extraordinário em
atravessar-se o cemitério, tenente. É um pedaço de terra, como outro qualquer!
balbuciou Ivan.
O tenente
exclamou:
– Pois então, é um desafio!
Atravessar o cemitério esta noite, Ivan, e dar-lhe-ei cinco rublos, cinco
rublos em ouro!
Fosse o vodka ou a tentação dos cinco
rublos, ninguém soube jamais qual a verdadeira razão. Ivan, molhando os lábios,
respondeu, de súbito:
– Está bem,
tenente. Atravessarei o cemitério!
Correu pela sala um murmúrio de
dúvida. O tenente, piscando os olhos para os outros, desembainhou a espada.
– Tome, Ivan. Quando chegar ao centro
do cemitério, em frente ao maior dos túmulos, enfie a espada na terra. De
manhã, iremos lá. E, se encontrarmos a espada na terra, os cinco rublos são
seus!
Ivan tomou a
espada. Os outros beberam-lhe à saúde:
– À de Ivan
o Terrível! E as gargalhadas redobraram.
O vento atirou-se contra
Ivan quando ele fechou atrás de si a porta do botequim. O frio cortava como a
lâmina de uma faca. Abotoando o seu longo capote, atravessou Ivan a estrada
enlameada. Ecoavam ainda nos seus ouvidos, mais altas do que o resto, as
palavras que o tenente lhe lançara:
– Cinco
rublos, Pombo, se você voltar com vida!
Empurrou o portão do cemitério,
cujas dobradiça emitiam um gemido lúgubre. Andava ligeiro. “Terra... terra como
qualquer outra”. Mas as trevas em torno enchiam-no de um pesado pavor. ‘Cinco
rublos de ouro...”. O vento era cruel, e a espada, em suas mãos, parecia um
pedaço de gelo. Ivan, trêmulo, sob o longo e pesado capote, desandou a correr.
Deu, finalmente, com o túmulo grande.
É possível que tivesse soluçado, a julgar pelo som que o vento se encarregou de
abafar. Ajoelhando-se, apavorado e frio, fincou no chão a lâmina que
atravessando a dura crosta gelada mergulhou na terra. Afundou-a, então, com
toda a força, até ao punho. Estava feito. O cemitério... o desafio... os cinco
rublos de ouro.
Ivan ergueu em tão um dos joelhos.
Mas não pôde mover-se mais. Alguma coisa o prendeu. Alguma coisa que o detinha
firme e implacavelmente. Procurou libertar-se movendo corpo em todos os
sentidos, arquejando de pânico, todo ele tomado de um medo horrível,
monstruoso. Lançou alguns gritos de pavor seguidos de lamentos articulados sem
nexo...
Encontraram-no, na manhã seguinte, em
frente ao túmulo. Estava enregelado. A expressão, que se lia no seu rosto, não
era, todavia, de um homem morto pelo frio, mas a de quem sucumbira tomado de
indizível pavor. E o sabre do tenente lá estava, enfiado na terra onde Ivan o
metera, atravessando e prendendo as abas do seu longo capote...
O texto, provavelmente,
foi editado na Seleções de 1942. (Condensado de “Saturday Review of Literature”
por Leonard Q. Ross - Seleções de 1942).
Este texto foi
retirado do Almanaque do Correio do Povo – 1978, sem dar crédito ao autor do texto.
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