terça-feira, 3 de maio de 2016

Histórias de Paraquedistas XVI

O Cantor do Lotação


Lá pelos idos de 1950, pouco tempo depois da criação da tropa paraquedista, surgiram e cresceram com ela figuras lendárias de tanto significado, principalmente para os paraquedistas da ‘antiga’.

Um deles foi o educadíssimo, vibrador e carismático, o senhor Manoel Maurílio do Sacramento – o Cantor do Lotação.

Nascido em 14 de maio de 1915 e proprietário de um antigo veículo Ford 1938, adaptado para transportar sete passageiros, principalmente paraquedistas, no percurso Guarda do Regimento Santos Dumont – Deodoro – Marechal Hermes e vice-versa.

Na mesma época havia esse mesmo tipo de ‘lotação’ que percorria o trajeto Madureira – Marechal Hermes, subúrbios do Rio de Janeiro.

Cidadão vibrante, muitíssimo educado e alegre, só trajava terno e vivia cantando as canções militares paraquedistas – a maioria de sua autoria –, contagiando assim seus passageiros. Quando o paraquedista entrava e se sentava, indagava em que Unidade servia e, a seguir, passava a entoar a canção da unidade do passageiro.

Entre elas, cuja letra dizia assim:

Mamãe, que militares são aqueles,
Marchando com garbo varonil,
Eles são os paraquedistas,
Audazes do ar, orgulho do Brasil.
Sua boina é colorida,
A farda um esplendor;
Imagem da própria vida,
Que tanto lhe traz amor.

Um deles veio do Norte,
O outro veio do Sul,
Pra encontrar a mesma sorte,
Pairando no céu azul.

Venceram mil obstáculos,
“pagaram” mil “cangurus”.
Estes são os sustentáculos,
Da fibra que os induz.

Mataram-se nas flexões,
Sempre sem esmorecer,
Dizendo com seus botões,
Isto faz um PQD.

Corrida, torre, balanço...
Corda, pista, aterragem...
Salto, recuo, avanço...
Charuto, morte, voragem...

Saltaram do avião,
Plena glória de vencer:
Ostentam, com emoção,
Boina, boot, seu brevê.

E é no nylon flutuante,
Pendurados em cordéis,
Que a pátria, estuante,
Encima os seus lauréis.


O Cantor residiu durante muitos anos, na Rua Verbenas, no bairro de Vila Valqueire, Rio de Janeiro, onde faleceu com mais de 90 anos.

Na época, já na inatividade, com a esposa doente, só saía para o supermercado ou para levá-la ao médico, mesmo assim, com muita dificuldade. Não fora sem razão, que ingressara na inatividade.

Por outro lado, seu veículo, outrora seu ganha-pão, também atingiu a inatividade, passando a descansar debaixo de uma cobertura simples no quintal, encapado, empacotado, como que aguardando o destino final das múmias – enfaixado e eternizado.

O tempo foi passando e o estado de saúde da esposa piorou, culminando com o seu falecimento.

O tempo foi passando e uma de suas vistas foi se perdendo, tendo sido inevitável recuperá-la. Era muito teimoso e não aceitava nenhum tipo de apoio. Com a visão somente em uma vista, atravessava a rua num ponto difícil, no caminho para o supermercado, haja vista que seu caminhar também carecia de maior agilidade que aquele percurso exigia.

Usando de uma dedicação às causas históricas paraquedistas, Carlos Alberto Serra Marques, ex-cabo “Baiuqueiro” e integrante da diretoria da ASSOBAI, junto ao Comandante do 26º Batalhão de Infantaria Paraquedista, prestou-lhe os possíveis apoios, que deveriam ser voluntários e permanentes pela Grande Unidade Paraquedista, por tanto que significou Manoel Maurílio do Sacramento.

Da antiga canção da Companhia de Suprimento e Manutenção de Paraquedas em 1965, que assim dizia:

Seja na terra, ou seja no ar,
A Baiuca está sempre a operar

A Baiuca, dobrando, costurando paraquedas vai cumprindo a sua missão,
Para frente intendente lutando até morrer, nós cumprimos o nosso dever.

A Escola, a Consulta e a Decisão,
Sempre o DoMPSA está com a razão.
A Baiuca, dobrando, costurando paraquedas vai cumprindo a sua missão,
Para frente intendente lutando até morrer, nós cumprimos o nosso dever.

Essa canção foi substituída pela atual Canção do Batalhão DoMPSA, cuja letra e música são da autoria do Sr. Manoel Maurílio do Sacramento - o ‘Cantor do Lotação’.

Salve a Baiuca base tradicional
Caserna de confiança brasileira,
Abrigo de conquista por um ideal
Em ser um bravo de asas altaneiras.

Heróis da Baiuca de lauréis,
Depende de ti, a vida e a glória,
Que no velame agarrado aos cordéis,
Vão saltar os audazes da vitória

O velame que o audaz conduz,
A Baiuca pulsa de emoção,
Tua alma se enche de luz,
Ao vê-lo planando vencendo a imensidão

Sentem orgulho e fé no seu talento,
Nos reparos e lançamentos pesados,
A Baiuca mira a mão sem tormento
Vendo descer o gigante inflado.

Baiuca, segurança de nobre missão
Berço heroico, fiel e ordeiro
Batalhão que protege um campeão,
Campeão de bravura do Exército Brasileiro!

Batalhão que protege o campeão
Campeão de bravura do Exército Brasileiro!

(Pereira, Jorge Barcellos. Ninho das Águias - Histórias que a história não conta, só nós paraquedistas. Edição 2013, Editora Nova Era - SC. ISBN 978-85-86264-60-3. Pág.117)

Nota de Falecimento


Acabei de receber a seguinte notícia do pessoal da ASSOBAI - Associação dos Baiuqueiros.

Faleceu hoje, aos 98 anos de idade, MANOEL MAURÍLIO SACRAMENTO (Cantor do Lotação), foi encontrado em óbito na sua residência.

MANOEL MAURÍLIO SACRAMENTO partiu no manifesto de São Miguel Arcanjo, deixando órfão toda família paraquedista e baiuqueiros, autor das mais belas canções paraquedistas.

Seu sepultamento será realizado na segunda-feira (13/05/2013) na parte da tarde no Cemitério de Ricardo de Albuquerque, RJ.


O Cantor do Lotação e paraquedistas dos anos 60.


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