Texto de Arnaldo
Branco
Todos sabem que Jovem Guarda era um
programa musical comandado por Roberto Carlos. Muitos também devem saber que
Roberto tentou a sorte como cantor de bossa-nova antes de se decidir pelo rock
romântico que o consagrou. Mas provavelmente ninguém sabe que o Rei teve uma
fase intermediária dedicada a outro ritmo musical, e que a primeira versão do
programa que dividia com Erasmo e Wanderléa seguiu essa onda.
No início dos anos sessenta, o gosto
dos jovens era uma incógnita. Os Beatles estavam dominando as paradas
internacionais, mas as novidades chegavam aqui com muito atraso e passavam por
uma fase demorada de estranhamento - convenhamos, aqueles cortes de cabelo não
ajudavam. Roberto Carlos tinha acabado de fracassar com seu primeiro disco e
precisava encontrar um novo estilo que cativasse a juventude. Sua nova aposta:
o bolero.
Parecia fazer sentido: depois de uma
fase solar e ingênua com os barquinhos da Bossa Nova e as lambretas do rock
ingênuo de Toni e Celly Campello, era natural um ciclo mais introspectivo,
dark. Pelo menos nos Estados Unidos houve uma entressafra entre a primeira e
segunda geração do rock'n'roll em que predominou a música folclórica, mais
engajada e sombria e definitivamente menos hormonal. O Bolero pareceu a
resposta latina a essa tendência de mercado.
Carlos Imperial, seu empresário,
comprou a ideia e decidiu que deviam ter o respaldo de um programa de TV para
lançar a tendência. Como não havia nenhum dessa espécie, resolveu inventá-lo.
Batizou a atração de “Fossa Nova” e juntou os parceiros Roberto e Erasmo e mais
a cantora adolescente Wanderléa para entoar canções de fracasso e desespero
que, tinha certeza, iriam emplacar com a moçada. Para isso, pediu aos jovens
compositores que fizessem uma música que fosse uma espécie de cartão de visitas
do show.
Roberto e Erasmo puseram mãos à obra
e escreveram uma canção de amor e suicídio chamada “O Calhambeque”. Era uma versão
rudimentar do grande sucesso que fizeram mais tarde, só que com andamento mais
deprimente e, bem, com um suicídio no final. Contava a história de um rapaz que
pegava um calhambeque na oficina e ia encontrar sua amada, que, em um gesto
tresloucado, se atirava debaixo das rodas do veículo. A música terminava com o
narrador achando que o carro estava com um problema de alinhamento, sublinhando
a pungência da narrativa.
O primeiro programa foi ao ar em 1963
e durou exatos dois minutos: quando Roberto Carlos terminou de apresentar a
orquestra e pendurou o acordeão para tocar o primeiro acorde, a transmissão foi
interrompida para anunciar o assassinato do presidente Kennedy. Como a
cobertura jornalística continuou pelo resto do dia, remarcaram para a semana
seguinte a estréia do musical.
Mas nunca houve outra edição. A
emissora entendeu que a realidade mundial, com a guerra fria, mísseis em Cuba e
assassinatos de presidentes já estava mórbida demais. Em seu lugar estreou o
programa de variedades "Belezuras de biquíni", e a emissora sugeriu
que Roberto Carlos e sua trupe voltassem quando tivessem alguma idéia para um
programa mais animadinho.
* Há um compacto simples com Roberto
Carlos cantando duas músicas de Bossa Nova: João
e Maria (Carlos Imperial e
Roberto Carlos) e Fora do Tom (Carlos
Imperial). Eu possuo esse compacto.
Nilo da Silva Moraes
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